DIREITO NATURAL E DIREITO POLÍTICO EM HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU
Í N D I C E
p. I – Introdução .................................................................................................... 01
II – Referências ................................................................................................ 02
1 – Distinções entre Direito Natural e Direito Político ............................... 02.
2 - Renascimento ....................................................................................... 03
3 – Notas Biográficas de Hobbes, Locke e Rousseau .............................. 04
III – Direito Natural e Direito Político em Hobbes, Locke e Rousseau ..... 05
1 – Hobbes .................................................................................................... 06.
2 – Locke ...................................................................................................... 10
3 – Rousseau ................................................................................................ 15
IV - Conclusão ............................................................................................... 20
V – Bibliografia .............................................................................................. 24
Monografia Inédita de 30 de outubro de 1994. Autora : Lia Pantoja Milhomens
I - INTRODUÇÃO
A maioria das espécies animais conhecidas em nosso planeta contenta-se em usufruir esse bem , incontestavelmente o mais precioso dentre todos, que é a vida : cumprem sua trajetória sem indagar de sua origem ou de seu destino no complexo universal.
No curso de sua história, a espécie humana diversifica-se das demais por indagar-se sistematicamente sobre a sua origem, desenvolvimento e finalidade. O que sabemos de nós e como o sabemos? De onde surgimos e para onde vamos? Podemos modificar o nosso destino, ou , pelo menos, o sabemos? Existe um marco a determinar o início da sociedade civil e, se existe, o que acontecia antes dela? Qual a natureza dos relacionamentos privados entre os homens e políticos , no âmbito social? Chegarão eles a ter um limite, na forma como se encontram organizadas as sociedades, para o surgimento de outro sistema de humanização ou não se pode fugir ao modelo atual, por ser inerente à natureza do homem? Como surgiram as leis e o conceito do justo e do injusto? Há desigualdade entre os homens, e, se há, pode-se estabelecer um termo inicial para ela? E como seria antes?
A ciência capaz de responder a todas essas indagações é, sem dúvida, a filosofia, porque o homem é o tema central de sua consideração. E é o seu conjunto de princípios que procura o sentido da existência, utilizando-se da razão , induzindo-a metodologicamente a utilizar suas projeções no mundo dos sentidos à maneira de uma bússola , guiando a evolução , e de uma ponte, propiciando o liame entre o que fomos e o que somos, para afixação da idéia do ser e do dever ser, bem como suas implicações no destino da espécie. A partir da Idade Média foi-se instalando na doutrina o gérmen do liberalismo, em oposição à tirania advinda do poder absoluto que nela floresceu, ofertando modelos mais concernentes aos ideais éticos de valoração humana. Saliente-se, por oportuno, que tais doutrinas encontraram terreno fértil junto à população, que não mais se conformava com a superlativa perda de direitos em favor dos soberanos. E ruíram estrepitosamente as monarquias que fincavam seus alicerces no princípio falso de que nenhum homem nasce livre, dando origem à soberania decorrente do consenso humano.
O nosso tema se contém na análise das doutrinas de Hobbes, Locke e Rousseau, grandes humanistas, que lograram perpetuar seus ensinamentos da evolução das instituições políticas através do direito natural e do direito político que firmam as raízes do Estado atual. Todos três têm pensamentos liberais, mas nem todos são democratas, conduzindo, por vezes, à onipotência do poder político, estabelecendo limites muito sufocantes ao indivíduo, conforme será visto.
II - REFERÊNCIAS
1 - Distinções entre Direito Natural e Direito Político
O direito natural é o conjunto de normas de coduta inerentes à natureza humana, independentes de convenção ou de uma fonte humana de emanação . São imutáveis e atendem às necessidades de conservação da existência quando o homem ainda não perdeu a sua liberdade ilimitada, característica do seu estado de natureza. Podem ser informativas, determinantes ou condicionantes das leis estabelecidas pelo Estado de Direito.
Não existe um consenso entre os doutrinadores em sobre quais, especificamente, seriam tais direitos, frutos da especulação racional : ora retirados da observação e experiência, ora princípios elaborados a nível de elucubração mental. Porque, na realidade, há obscuridade quanto às circunstâncias existenciais do estado natural do homem, explicado por teorias filosóficas, com fundo religioso ou não. Nota-se que as condições sociais predominantes em determinada época vão, no curso da história, influenciando as doutrinas contemporâneas às diversas reivindicações da sociedade. Seriam, esses direitos, valores absolutos, mutáveis apenas para a preservação do direito de fruir os bens da vida em segurança e tranqüilidade.
O direito político é o conjunto de normas legais estabelecidas pelo pacto social, que regulam os direitos e deveres do Estado em relação ao cidadão para a defesa da sociedade assim organizada, concernentes,especialmente, à liberdade e à formação do Governo, e à soberania e nacionalidade, além do relacionamento com outros Estados. É mutável e estabelece normas consensuais de comportamento.
2 – O Renascimento
O contexto social em que viveram os três filósofos foi justamente o período de término da Idade Média e início da Idade Moderna, no renascimento da cultura greco-romana em todos os aspectos do desenvolvimento:erudito, literário,artístico e científico. Foi um período de luzes em que os horizontes do conhecimento humano alargaram suas fronteiras, não só em termos das grandes navegações, com descobertas de novos continentes, mas da própria contingência humana . Também as comunicações foram muito contempladas, com o advento da imprensa, que propiciou a transmissão das novas descobertas e das novas doutrinas em todos os lugares. Houve uma valoração do ser humano, e, como tal, não poderia mais persistir o pensamento medieval de que alguns nasceram para governar e, outros, para serem governados.
Com a tomada de Constantinopla (Capital do Império Romano do Ocidente) pelos turcos , em 1.453, e as grandes descobertas a partir de 1.492, iniciou-se esse período de luzes, no qual resplandeceram, especialmente na filosofia, os três doutrinadores referidos, que influenciaram o momento culminante do Iluminismo a Revolução Francesa de 1.789 -, que o encerrou, sob o primado das idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, alçadas a princípios de Estado e da nova sociedade que surgia.
Enquanto na França se impunha a vontade popular, digno berço do imortal Rousseau, na Inglaterra de Hobbes e Locke ocorriam, também, acontecimentos que permitiram a introdução do pensamento humanista por eles sistematizado.
A Inglaterra, que havia sido o berço da limitação do poder monárquico na Idade Média, com a “Carta Magna” (1215), apresentou o “”Bill of Rights”(1.627-1628), donde se originou o “Habeas Corpus”, um dos maiores garantidores dos direitos políticos dos cidadãos no século XVII . Mas ainda não havia assimilado os alvores das grandes reformas sociais : coibia-se a liberdade de imprensa e impunham-se arbitrariamente castigos cruéis, assim desvirtuando a finalidade essencial do Estado, que é a garantia do bem-estar do homem, já que este renunciou a seus direitos apenas de forma limitada para 4 submeter-se à sua proteção e seu governo. Mas o pensamento da realeza, diverso daquele do povo , que já assimilara as novas doutrinas e as tinha insculpidas no seu ser, aguardando a ocasião propícia de mostrar à luz a sua força. E tal se deu ainda na primeira infância de Locke : ergueu-se da multidão que assistia ao injusto martírio do panfletário William Prynne (1637), no momento em que o carrasco executava a sentença, um retumbante grito de terror cuja repercussão provocou a queda de Carlos I – estava expressa, no seu conteúdo, não a insatisfação, mas a cólera e o repúdio ao poder absoluto e arbitrário personificado naquele monarca. (1)
Foi já por causa da revolta declarada do povo contra o absolutismo que Hobbes, em 1640, por causa da sua doutrina que propiciava o florescimento do poder absoluto após o pacto social, teve de deixar a Inglaterra e se refugiar na França, para afastar-se de um possível ataque físico por parte de seus concidadãos.
Essas, em linhas gerais, foram as circunstâncias encontradas pelos doutrinadores em causa, na sua formação : a experiência moldou o caráter e permitiu a esses gênios polivalentes exteriorizar o inconsciente coletivo e canalizá-lo para suas soluções extraordinárias para o progresso dos direitos e garantias individuais dentro do Estado.
3 - Notas Biográficas de Hobbes, Locke e Rousseau
Thomas Hobbes de Malmesbury : nasceu em 1.588, na Inglaterra, filho de pastores protestantes, e morreu em 1.679.
Estudou em Oxford, e, fazendo-se adulto, viajou para Itália e França, como preceptor. Ao voltar, tentou, na Inglaterra, à maneira de Descartes, uma concepção dedutiva da Natureza e da Sociedade, fixando a palavra como elemento principal para o desenvolvimento humano, mais do que a imprensa, fazendo o homem chegar ao estado social, tendo a força como a única fonte do direito, sendo adversário das idéias democráticas, provocando, com isso, impopularidade, acusado de defender os Stuarts, absolutistas que detinham o poder.
John Locke : nasceu na Inglaterra em 1.632 e morreu em 1.706 ( há autores que indicam o ano de 1.704). Conheceu Descartes e Hobbes, que influíram em seu pensamento. Professor de Grego, Retórica e Filosofia em Oxford, estudou, ainda, Medicina, Química e Economia. Politicamente ativo, foi perseguido pela monarquia absolutista, acusado de radicalismo liberal, refugiando-se na França(1.684). Foi o autor favorito do século XVIII, conhecido como o “Pai do Empirismo” inglês, destacando-se como filósofo e foi crítico severo dos filósofos do século XVII, notadamente a doutrina das idéias natas. A razão, para ele, é o centro da legitimação dos atos do homem em estado de natureza, sendo ela que estabelece a lei, cuja aplicação é feita por todos os homens. Entende o ser humano como criatura social (homem político), vocação esta já estabelecida na sua Criação, razão pela qual Deus , na mesma oportunidade,lhe deu a capacidade de formar sons articulados - já que o destino do homem é a associação ; a palavra, posteriormente desenvolvida, deveria ser o laço entre os componentes das sociedades. Para ele, o conhecimento decorre da experiência, não havendo princípios inatos na mente, que está, disto sim, capacitada para adquirir conhecimento por suas faculdades naturais.
Jean Jacques Rousseau : nasceu em Genebra, em 1.712 e morreu em Paris, em 1.778.
Filósofo e escritor, estudou Música, Ciências e Filosofia, tendo inventado o atual sistema de notação musical.
Seu fundamento filosófico está demonstrado no “Discurso sobre a Desigualdade”, no “Contrato Social” e no “Emílio”, principalmente : o direito dos indivíduos deve ser protegido pela Sociedade, garantindo-se, assim, a liberdade, até na educação ( o pedagogo Emílio estabelece um novo método de ensino em que são criadas condições para que o estudante, espontaneamente, decida instruir-se). Esta última obra. , por ter sido publicada , quando proibida, causou-lhe fosse decretada a sua detenção, refugiando-se na Suíça, e, depois, na Inglaterra.
III – DIREITO NATURAL E DIREITO POLÍTICO EM HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU
1 –Hobbes
O Estado, segundo sua doutrina filosófica, é um animal artificial ,criado pela arte do homem, animal natural,que imita a Natureza, e, assim, atua à sua semelhança. Denominando-o de Leviatã , suas características são projeções das do ser humano, com maior estatura e força que o homem para cumprir o seu destino, que é a proteção e a defesa deste.
O livro LEVIATÃ está dividido em quatro partes : I – Do Homem; II – Do Estado ; III – Do Estado Cristão; IV – Do Reino das Trevas, onde expõe os seus pensamentos, aponta os princípios da sua doutrina sobre o direito natural.
A palavra, a linguagem, tem um valor essencial, pois é catravés dela que o homem expressa, depois de registrá-los, os seus pensamentos, sem a qual não poderia ter havido o Estado, nem Sociedade, nem Contrato Social. Não considera, porém, que ela seja inerente à natureza humana, contrariamente ao raciocínio, que o é :
“ ... o uso geral da linguagem consiste em passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou a cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de palavras ...” ( In Leviatã, Coleção “Os Pensadores”, trad. De João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, Ed. Abrli, pág. 25).
A igualdade entre os homens é apontada por Hobbes como existente no estado natural do ser humano no que tange à existência, em todos, de um talento natural e outro, adquirido; o primeiro, uma virtude nata para a prática e a experiência, constituída de celeridade da imaginação e da firmeza de direção e, o segundo, uma virtude adquirida por método e instrução. A razão, que assenta no uso correto da linguagem, de onde derivam as ciências, é o método para adquirir os conhecimentos - são comuns a todos os homens, mas, não iguais em todos os homens :
“... A natureza fez os homens tão iguais,quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa, com base nela, reclamar qualquer benefício a que outro não possa aspirar, tal como ele ...” (Op.cit. págs. 31/32).
Os conflitos decorrem justamente dessa igualdade, quando dois homens desejam a mesma coisa impossível de ser gozada em conjunto ou de ser dividida – tornam-se inimigos, pois cada um vai-se esforçar para destruir e subjugar o outro. Mas o vencedor poderá, também, sofrer o assédio de ouros em razão da mesma coisa e sempre o mais forte subjugará os outros , pela força ou astúcia, pelo tempo necessário, até que não haja nenhum outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo e todos os subjugados devem reconhecer e admitir tal domínio, para a auto-preservação de cada um deles :
Todo poder, para ele, proviria da força e deveria ser absoluto.
O poder de um homem se conceitua como os meios de que ele dispõe para obter qualquer visível bem futuro, podendo ser original ou instrumental ( ler op.cit.,pág.78/79).
A discórdia é da natureza do homem, por três causas principais : competição, desconfiança e glória. Se os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, ficam todos em estado de guerra uns contra os outros, não havendo nada injusto, pois justiça e injustiça seriam noções, como a de bem e de mal , que não têm lugar na guerra; nela, a força e a fraude são a virtude . Justiça e injustiça seriam, pois, virtudes do homem em sociedade e não fariam parte das faculdades do corpo ou do espírito. Elas não existiriam, como noção, no homem solitário, não sendo, pois, no seu entender , naturais do ser humano.
Normas de Paz são aquelas que o homem, ainda em estado de natureza, movido por paixões como o medo da morte e o desejo de coisas necessárias para uma vida confortável, estabelece como fundamento do acordo, conforme sugerido pela razão.
Leis da Natureza são, para ele, preceitos ou regras gerais estabelecidas pela Razão, que impõem limites ao direito da natureza ou “jus naturale” (liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza ...- ler op.cit.,pág. 82). São elas :
1ª. Todo homem deve se esforçar pela paz na medida em que tenha esperança de consegui-la ( procurar a paz);
2ª. Um homem deve concordar, quando outros também o façam e na medida em que ele considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renúncia a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação a outros homens , com a mesma liberdade que a eles permite em relação a si mesmo (renúncia recíproca de direitos);
3ª. Os homens devem celebrar os pactos que celebrarem ( fonte e origem da justiça );
4ª. Quem receber benefício de outro homem, por simples graça, deve se esforçar para que o doador não venha a ter motivo razoável para arrepender-se de sua boa vontade ( gratidão);
5ª. Cada um deve se esforçar por acomodar-se aos outros ( tolerância );
6ª. Como garantia do tempo futuro devem-se perdoar ofensas passadas àqueles que se arrependam e desejem ser perdoados ( perdão);
7ª. Na vingança (isto é, na retribuição do mal com o mal), os homens não devem olhar a importância do mal passado, mas só a importância do bem futuro ( correção e exemplaridade );
8ª. Ninguém, por atos, palavras ou gestos, deve declarar ódio ou desprezo pelo outro ( respeito mútuo );
9ª. Cada homem deve reconhecer os outros como seus iguais por natureza ( reconhecimento da igualdade natural );
10ª. Ao se iniciarem as condições da paz, ninguém deve pretender preservar para si qualquer direito que não aceite seja também reservado para qualquer dos outros ( modéstia );
11ª. Se a alguém for confiado servir de juiz entre dois homens, trate a ambos eqüitativamente ( eqüidade ) ;
12ª. As coisas que não podem ser divididas devem ser gozadas em comum,se assim puder ser; e, se a quantidade de coisas o permitir, sem limite; caso contrário, proporcionalmente ao número daqueles que sobre ela têm direito (condomínio) ;
13ª. O direito absoluto, ou então ( se o uso for alterado) a primeira posse, sejam determinados por sorteio ( primeira apropriação ou progenitura) ;
14ª. Aqueles entre os quais há controvérsias devem submeter o seu direito ao julgamento de um árbitro (legitimação do direito subjetivo);
15ª. Para todos aqueles que servem de mediadores para a paz deve ser concedido salvo conduto (garantia do direito subjetivo ).
Entende Hobbes que essas quinze leis estabelecem o equilíbrio dos sentimentos antagônicos naturais ao homem – amor à liberdade e ao domínio sobre os outros - , e lhes impõem restrições, por ser a verdadeira filosofia moral e conclui : a observância às mesmas deflui do cuidado com a própria conservação individual e com uma vida mais satisfeita; mas que, sendo elas contrárias às nossas paixões naturais, somente os termos de algum poder capaz de fazê-las respeitar ( direito de coerção) pode levar à obediência, e, portanto, à segurança da paz social. Tal não pode ser realizado por um pequeno grupo ou multidão, mas por um poder comum munido de representatividade.
O Estado deriva , assim, de algo além do consentimento ou concórdia, mas de uma “verdadeira unidade de todos eles ( os homens ), numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que cada homem dissesse a cada homem : “ cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele(a) teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as tuas ações...”.
Eis, assim, o animal artificial, o Leviatã, o Estado, uma multidão unida em uma só pessoa, erigida, respeitosamente, à condição de Deus Mortal, porque a ele devemos, abaixo de Deus Imortal, nossa paz e defesa.
Os direitos políticos são aqueles derivados do pacto que instituiu o Estado :
1º. Do monarca :
- aqueles a ele submetidos não podem, sem sua licença, renunciar à monarquia não há fundamento humano ou divino para a desobediência; nenhum dos súditos pode libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de infração por parte do soberano; a minoria discordante da maioria que elegeu por voto o soberano deve passar a consentir juntamente com os restantes ou aceita e reconhece os atos do eleito ou será justamente destruída pelos restantes; nada do que o soberano faça pode ser considerado injúria para com qualquer de seus súditos e nenhum deles pode acusá-lo de injustiça em razão da representatividade, todo súdito é, por instituição, autor dos atos e decisões do monarca constituído por serem considerados seus próprios atos; aquele que detém o poder soberano não pode ser morto justamente ou punido por algum súdito ( há sempre crime de lesa-majestade); compete ao soberano estabelecer quais as doutrinas favoráveis ou contrárias à paz; pertence ao poder soberano a autoridade judicial; pertence à soberania o direito de fazer guerra e paz com outros Estados; compete à soberania a escolha de todos os conselheiros; é confiado ao soberano o direito de recompensar com riquezas e honras e o de punir com castigos corporais ou pecuniários, ou com a ignomínia, a qualquer súdito, de acordo com a lei que o próprio soberano estabelecer; direito exclusivo do soberano de conceder títulos de honra, ordem e lugar de dignidade a cada um . (Op. Cita., pág.113 e seguintes)
2º. Dos Súditos : - esvaziada, assim, a liberdade individual, com aglutinação de todas as liberdades e garantias constantes do pacto social na soberania, representada por uma pessoa jurídica o monarca, individual ou coletivo, Hobbes não concedeu nenhum direito político aos súditos, restando-lhes somente os direitos subjetivos privados, isto é, decorrentes das relações de direito civil as leis civis, na doutrina em causa, são consideradas cadeias que prendem os ouvidos dos súditos à boca do soberano (pois era este quem ditava as sentenças).
Dessa maneira, o homem, livre no estado natural, torna-se escravo da soberania do Estado, tendo constituído o seu único direito eleger, à época do pacto social, quem seria o seu senhor, sob o fundamento da incomunicabilidade e inseparabilidade dos direitos políticos para que seja identificado quem os detém : é o absolutismo.
2 – Locke
Sua doutrina sobre o direito natural e político está sistematizada em seu “Dois Tratados sobre o Governo” e no “Ensaio a Respeito do Entendimento Humano”, partindo do princípio de que não há verdades inatas e a razão é que determina a evolução, através da dedução de verdades desconhecidas ou proposições já conhecidas. Reconhece a existência de uma Deus Criador : “ ... nossa razão nos conduz ao conhecimento desta verdade certa e evidente: que há um eterno, mais poderoso Ser, que, se alguém tiver o prazer de denominar Deus, não importa
... Se, contudo, alguém for descoberto como insensatamente arrogante, a ponto de supor que unicamente o homem é cognoscente e sábio, embora seja o produto de mera ignorância ou acaso, e que todo o resto do universo produziu-se apenas por este cego e puro acaso, deixarei com ele esta muito racional e enfática censura de Tully (I.II. De Legibus – Das Leis) para ser considerada à vontade : ‘O que pode ser mais totalmente arrogante e e inconveniente que um homem pensar que tem uma mente e um entendimento nela, embora em todo o universo fora dela não haja tal coisa? Ou estas outras coisas, que com o máximo esforço da suja razão pode escassamente compreender, poderiam ser movidas e dirigidas por nenhuma razão?” ( In John Locke, “Ensaio Acerca do Entendimento”, trad. De Anoar Aiex, Ed. Abril, em “Os Pensadores”, pág. 315).
A constituição do homem em sociedades organizadas era seu destino, pois Deus o criou um ser social, com faculdades apropriadas para tanto, especialmente a razão e a equipagem para formar sons articulados ( “o instrumento mais notável e laço comum da sociedade”), as palavras, sinais sensíveis, necessários para a comunicação.
Assim como os filósofos da Idade Média fundamentaram o poder absoluto em textos bíblicos, Locke o fez para estabelecer os princípios do seu direito natural e do pacto social.
Em seu primeiro tratado sobre o Governo, analisando a obra do filósofo Robert Filmer, comprova que são falsos os princípios que este estabelece em “Patriarcha” , e que eram tidos , na época, como dogmas de autoridade , a saber :
- o homem não é naturalmente livre : Filmer afirma que o poder patriarcal nasceu com Adão, até o Dilúvio e depois continuou com Noé e seus filhos até o cativeiro dos Israelitas no Egito, quando tal poder esteve adormecido, até que Deus restabeleceu esse princípio bíblico. Locke examina G.i.28, G.iii.26, onde pretendia Robert apresentar o fundamento do poder patriarcal e a soberania por doação divina sobre todas as coisas e mulheres.E rebate : além de não ser ocasião de conceder, pois Deus estava punindo Adão e Eva por desobediência, dirigia-se somente às duas pessoas deles, e, não, a toda a humanidade, e, portanto, não se pode inferir que o Criador haja concedido, ali, a Adão , um reinado absoluto. E, além domais, se fosse assim, ninguém mais poderia nascer livre, se a humanidade toda estava sujeita à soberania do primeiro homem;
- a soberania sobre os filhos, com poder de vida e de morte : Filmer afirma que provém do fato de Adão, como os demais pais,terem dado vida àqueles. Mas Locke comprova que as palavras de Deus são no sentido de um dever dos pais para com a criação dos filhos, havendo uma retribuição de respeito, e, não , de subordinação, quando adultos;
- a propriedade sobre os animais e a terra: Locke demonstra que não havia uma natural e privada dominação de Adão fundamentando uma soberania, eis que, com sua morte, forçosamente haveria uma divisão, não estabelecendo Deus qualquer regra a respeito . A velha doutrina, defendida por Filmer, criara o fundamento da regra divina da não divisão para que a terra permanecesse em mãos dos príncipes, como se fossem guardiões do direito de Adão, criando, assim, com base falsa, as raízes do poder monárquico;
- a herança de Adão : Locke , embora reconheça a necessidade de existir um herdeiro para qualquer bem,chama a atenção para o fato de que não é simples conclui-se a obrigatoriedade por imposição divina de uma linha direta de nascimento uma prole eleita de Adão para exercer o poder. Como demonstra, a própria Bíblia fornece exemplos de herdeiros naturais e designados, mesmo dentre a descendência mais próxima do primeiro homem. Assim, já no início dos tempos se estabelecera a regra de que não era o nascimento e a relação consangüínea a origem do direito à herança: assim há haviam reconhecido os antigos patriarcas, mais próximos, em termos temporais, à Palavra de Deus.
Locke inicia , assim, o seu “Segundo Tratado Sobre o Governo”, com uma remissão às suas demonstrações sobre a falsidade dos princípios que justificavam a monarquia absolutista, fincada sobre o pressuposto da escravidão da humanidade ao monarca como um estabelecimento bíblico da herança de Adão, colocando, em seu 1º Capítulo, em resumo, sua noção de poder político :
“... Considero, portanto, poder político, o direitode fazer leis com pena de morte e, conseqüentemente, todas as penalidades menores para regular e preservar a propriedade, empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade exterior; e tudo isso tão só em prol do bem público” ( In John Locke, “Segundo Tratado sobre o Governo”, trad. E. Jacy Monteiro, Ed. Abril, “Os Pensadores”, pág. 40.
E, mais à frente, podemos constatar que fundamenta o poder político pela renúncia do homem ao estado de natureza, com limites aceitos às liberdades individuais.
E, quanto ao estado de natureza :
“4. Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme acharem conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem. Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição; a menos que o senhor de todas elas, mediante qualquer declaração manifesta de sua vontade, colocasse uma acima da outra, conferindo-lhe , por indicação evidente e clara, direito indubitável ao domínio e à soberania.” ( Idem, pág. 41)
No estado de natureza, todos têm direito de castigar o ofensor, tornando-se executores da lei da natureza, e, no estado social, esse direito está em mãos de uma só pessoa, o magistrado, que tem o direito comum de castigar e, embora possa relevar o castigo previsto nas leis, não tem o poder de relevar a satisfação devida a qualquer indivíduo particular pelo dano recebido. Aí se encontra o fundamento do direito de ação que o indivíduo tem contra o Estado.
O fundamento da aplicação da lei da natureza, encontra Locke na Bíblia, a respeito do episódio de Caim e Abel : “Quem derramar o sangue do homem pelo homem verá seu sangue derramado”; prova de que Caim estava consciente tão solidamente de que qualquer um tinha o direito de destruí-lo, foi sua exclamação, após o fratricídio : “Quem quer que me encontre me matará!”.
Sobre a escravidão: ninguém pode dar mais poder do que possui; e quem não pode tirar de si a própria vida não pode conceder a outrem qualquer poder sobre ela. Sendo assim, mesmo quando do pacto social, o homem não pode conceder o poder absoluto : “Slavery is so vile and miserable an estate of man, and so directly opposite to the generous temper and courrage of our nation, that is hardly to be conceived that an “Englishman”, much less a “gentleman”, should plead for it ...” (Idem, “Two Treatises of Government”, page. 1).
Para Locke , o poder absoluto transformava os homens em escravos e, tão abominável tinha para ele a escravidão, que iniciou o seu primeiro Tratado com a frase acima transcrita. Entende-a como uma espécie do gênero servidão.
Sobre a propriedade , entende que existiu, mesmo no estado de natureza, tendo por fundamento o fruto do trabalho do homem. Primeiro, as coisas móveis, como animais e frutos da terra, e, após, ela mesma, quando trabalhada para fornecer seus frutos : é que , segundo Locke, Deus teria dado a terra aos filhos do homem (Sl 113,24) .E o trabalho, sendo integrante de cada indivíduo, como parte de sua substância, transfere às coisas essa substância quando o trabalho sobre elas é exercido – haveria uma incorporação do bem material ao homem que o trabalhou, estando, aí, a introdução da propriedade privada e os limites da sua extensão (extensão do trabalho do homem e conveniências da vida). E chama atenção, para demonstrar esses princípios, para algumas nações da América :
“ ... às quais a natureza, tendo oferecido tão liberalmente quanto a qualquer outro povo todos os materiais para a abundância, isto é, solo fértil, capaz de produzir em quantidade o que pode servir de alimento, agasalho e diversão, entretanto, por falta de melhoramento pelo trabalho, não possuem nem um centésimo das conveniências de que gozamos. E um rei de território grande e fértil lá se alimenta, mora e veste-se pior que um trabalhador jornaleiro da Inglaterra .” ( John Locke, in “Segundo Tratado sobre o Governo”, op.cit., pág. 56)
Sobre a escrita , a importância que lhe concede Locke muito grande, pois a considera essencial para o desenvolvimento das artes e ciências, mas entende que raramente penetra num povo antes de haver ele gozado um longo período de paz e fartura, e nunca aparece antes de constituídas as sociedades políticas- por isso, longos são os períodos da vida do homem neste planeta que permanecem em obscuridade. Mas, nem por isso, pode-se deixar de concluir o que ali ocorreu, como decorrência do exame dos fatos e conseqüências conhecidos.
A sociedade política , segundo Locke, se organiza de maneira única através do acordo entre as pessoas em juntarem-se e unirem-se me comunidade para viverem em paz, segurança e conforto umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra qualquer que seja . Assim incorporados, formam um corpo político no qual a maioria tem o direito de agir e resolver por todos. O seu término se dá pela conquista ( fator externo), pela usurpação e pela tirania (fatores internos), ou dissolução do governo, com a extinção do poder legislativo, pois ele é que dá continuidade ao pacto social, elaborando as leis ou modificando-as, pelo poder de representatividade da vontade do povo : salus populi suprema lex.
Em seu “Ensaio sobre o Entendimento Humano”, Locke se aprofunda no exame do homem, a formação das idéias, seu raciocínio, explicando melhor as suas faculdades natas e a aquisição de princípios e idéias, como estado natural de liberdade ou de organização política, numa construção abstrata.
Para Locke, a experiência é que forma as idéias, e, o que nela não se fundamenta, considera preconceito. A razão é uma faculdade de reflexão que só se encontra desenvolvida no ser humano adulto ( daí o fundamento de proteção, e, não, de escravidão, do pátrio poder) e é importante para o processo de raciocínio. Divide as idéias em simples , que a mente não pode criar nem destruir e que podem ser do sentido, dos vários sentidos, de reflexão, da sensação e da reflexão, e complexas, formadas pela mente, a partir das idéias simples.
O Poder é, para Locke , a capacidade humana de modificar, realizando ou recebendo qualquer mudança, tanto em abstrato quanto no mundo concreto. E, quanto à liberdade,pensa o insigne doutrinador descobrir cada um em si mesmo essa “idéia de um poder” .... “para começar ou omitir, continuar ou terminar várias ações ...” . Consiste, pois, essa idéia, “... do poder em certo agente para fazer ou deixar de fazer qualquer ação particular, segundo a determinação ou pensamento da mente, por mio da qual uma coisa é preferida a outra ...”. (Op.cit.,pág.207)
3 – Rousseau
A doutrina de Rousseau é, por excelência,do contrato social e a frase mais expressiva do seu pensamento sobre o estado de natureza e o de sociedade demonstra que toda a diferença consiste na existência, ou não, de limites à liberdade do homem. Já no seu “Discurso Sobre a Desigualdade ...”, ela vem esclarecendo os seus fundamentos :
“TODOS CORRERAM AO ENCONTRO DOS SEUS GRILHÕES”.
E, mais adiante, explica :
“ ... crendo assegurar sua liberdade, pois, com muita razão, reconhecendo as vantagens de um estabelecimento político, não contavam com a suficiente experiência para prever-lhe os perigos; os mais capazes de pressentir os abusos eram precisamente aqueles que contavam aproveitar-se deles, e até os prudentes compreenderam a necessidade de resolverem-se a sacrificar parte de sua liberdade para conservar a do outro, como um ferido manda cortar um braço para salvar o resto do corpo. Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis que deram novos entra vês ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria...”. (In Roiusseau, Jean Jacques, “Discurso Sobre a Seguinte Questão, proposta pela Academia de Dijon: ‘Qual é a origem da Desigualdade entre os Homens e Ela é autorizada pela Lei Natural?’.” (In “Os Pensadores”, Ed. Abril, pág.276)
E repete, no “Contrato Social” :
“O HOMEM NASCE LIVRE , E POR TODA A PARTE ENCONTRA-SE A FERROS. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles ...”. ( In “Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político” Ed. Abril, “Os Pensadores”, trad. De Lourival Gomes Machado, pág.28).
Rousseau não se contentou em apresentar uma teoria e apontar erros no pacto social que retirou dos homens o seu estado de natureza -sua doutrina foi mais além, abordando apresentar soluções (o que vem especificado em sua obra didática “Emílio”) de molde a solucionar, a longo prazo, as desigualdades humanas.
O trabalho e a propriedade são, para ele, o fundamento de toda a desigualdade entre os homens. Combate veementemente a escravatura e o absolutismo, contra Hobbes, estabelecendo a máxima de que todo direito político existe porque os povos “se deram chefes para defender sua liberdade e não para serem dominados”, não podendo a monarquia ser comparada ao pátrio poder familiar, dada a infinita distância aentre o “espírito feroz do despotismo” e a “doçura da autoridade paterna”.
Pergunta Rousseau com que direito os que não temem o seu aviltamento até o ponto de entregar o bem indisponível que é a vida ( invoca Locke quando este rebate os argumentos do absolutismo) puderam submeter sua posteridade “à mesma ignomínia e em seu nome renunciar a bens que ela não recebe da sua liberalidade e sem os quais a própria vida é onerosa a todos dignos dela...”. ( “Contrato ..., idem)
Como Locke , distingue Estado de Governo. O primeiro seria um corpo moral e coletivo, o corpo político, e, o segundo, um intermediário entre súditos e soberanos. Aponta que houve falhas no início do contrato e que o tempo se encarregou de tornar irremediáveis, tendo, como exemplo, que nem todos os contratantes eram proprietários , e o estabelecimento deste direito já havia transformado a relação de fraco e forte para pobre e rico, pois os primeiros somente tinham suja liberdade para perder e, como único bem, não iriam dispor dele, voluntariamente, para formar um corpo político que a limitasse, a ponto, às vezes, de retirá-la, ao passo que favorecia sempre a propriedade (contrariamente, pois, desde o início, à finalidade do Estado, que é o bem-estar do homem , e, não, a proteção a seus bens materiais).
Embora não admita o pátrio poder como inspirador da sociedades políticas, reconhece que é a única e mais antiga sociedade natural.
Expõe claramente, por outro lado, que, pelo contrato social , o homem somente visa a obedecer o direito, sendo qualquer força um pressuposto supérfluo : ora, se contra a força não há resistência, não se pode entender porque haveria necessidade de legitimar a força, porque ela não impõe obrigação moral nem direito a ser obedecido, pois ela não impõe obrigação moral nem direito a ser obedecido, pois ela se contrapõe a tudo isso. É um contra-senso lógico submeter-se a força a uma legitimação para que ela se exerça – nesse caso ela já não será mais força.
E ironiza a inversão de valores no poder arbitrário que sobreveio ao contrato social, quanto a um Estado mal constituído, pela predominância das desigualdades exteriores ao ser humano (distinguia quatro espécies de desigualdades, em uma sociedade política, quais sejam, a riqueza, a nobreza ou a condição, o poder e o mérito pessoal). E prossegue em sua análise :
“Provaria, por fim, que, se vemos um punhado de poderosos e de ricos no cume das grandezas e das fortunas ,enquanto a multidão rasteja na obscuridade e na miséria, é porque os primeiros só dão valor às coisas de que gozem por estarem os demais privados delas e porque, sem mudar de estado, deixariam de ser felizes se o povo deixasse de ser miserável.” (In “Discurso ..., pág. 285) “...É este o último grau da desigualdade, o ponto extremo que fecha o círculo e toca o ponto de que partimos; então , todos os particulares se tornam iguais, porque nada são, e os súditos, não tendo outra lei além de suas paixões, as noções do bem e os princípios da justiça desfalecem novamente; então tudo se governa unicamente, segundo um novo estado de natureza, diverso daquele pelo qual começamos, por ser este um estado de natureza em sua pureza, e o outro, fruto de um excesso de corrupção... A rebelião que finalmente degola ou destrona um sultão é um ato tão jurídico quanto aqueles pelos quais ele, na véspera, dispunha das vidas e dos bens de seus súditos. Só a força o matinha, só a força o derruba; todas as coisas se passam, assim, segundo a ordem natural ...”.( In “Contrato ...”, pág. 286).
Assim, tendo colocado seus princípios éticos, lamentando não ter havido,por ocasião do pacto, a correção das distorções dos costumes que levaram à desigualdade, ou ,talvez, iniciando-se elas naquele momento (enquanto em estado de natureza, o homem não estabelecia comparações entre os demais, pois não necessitava delas para o convívio social, pois este não existia e nem era obrigatório, como o foi depois), Rousseau , que denomina o havendo em estado de natureza como selvagem , e o que vive socialmente de policiado, nos contempla, ao final do “Discurso ...”, com a comparação entre um e outro : o primeiro vive em si mesmo, e, o segundo, está sempre fora de si e chega a viver em função do julgamento dos outros.
Rousseau admite, em contrário com algumas teorias vigentes, no seu “Contrato Social”, que realmente existe o direito do mais forte : ele nunca será suficientemente forte para ser sempre o senhor e, por isso, a força passa a direito (o do mais forte) mas que a essa altura, já transformada em direito, que traz também para ele obrigações, tem perdidas as suas características. O erro todo no pacto social, na sua formação, foi a aceitação, pelos homens que dele tomaram parte, de todas as regras impostas pelo supostamente mais forte (era mais rico, e, não , mais forte, porque, se o fosse, não precisaria dos demais para legitimar as suas ações – e isso, infelizmente, não foi percebido pelos mais pobres, ofuscados, talvez, por essa aproximação entre as desigualdades, que tomaram por igualdade, quando, no máximo, haveria equiparação).
Outra noção que nos transmite Rousseau é a de que os homens não são naturalmente inimigos , mas o relacionamento entre as coisas e, não, a relação entre os homens, é que estabelece o estado de guerra. Por isso condena a propriedade e o uso que fizeram dela, para escravizar o homem pelo trabalho. Mas isso foi um desvirtuamento do que deveria, na verdade, ter sido o pacto :
“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos,enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo.” ( In “Contrato ... pág. 39).
Quanto ao que seja o direito político, vem-nos o conceito com o que o homem perde pelo contrato social (liberdade natural) e o que ele ganha (liberdade civil e a propriedade do que tem – se nada tem, nada adquire). Essa liberdade civil é que será objeto dos direitos políticos, descritos a seguir no “Contrato “. (págs.72/785), como conteúdo das leis, sendo a finalidade de toda legislação, resumida em dois princípios : a liberdade e a igualdade. Encerrado, assim, o Livro II, do “Contrato ...”, passa-se, com Rousseau , para as formas e organização de Estado e Governo e sua extinção, nos Livros III e IV. Tem-se então, o exercício da soberania com limites para o próprio soberano, além de sugestões para melhoria das condições existentes ( veja-se o “Emílio”) e indícios de um bom e mau Governo.
IV – C O N C L U S Ã O
Então, agora, de todo o exposto, pode-se observar que os três grandes pensadores concordaram em pontos objetivos : a existência do direito de natureza, no estado de natureza, e de direitos políticos, decorrentes de pacto ou contrato social. E, mesmo, quanto à finalidade do poder soberano, que, em todos, é o bem-estar do povo.
Divergiram no que tange aos fundamentos de tais postulados de direito.
Locke entende que o homem não nasce livre, por entender a existência de um poder patriarcal e soberania concedidos por doação divina a Adão e aí encontra ele a origem das sociedades através do desenvolvimento de faculdades concedidas por Deus, apoiando-se, por vezes, na Bíblia, e considerando o homem um animal social. Dá ênfase muito grande ao poder de articulação de palavras- para ele, é uma característica inata do ser humano, já em suas origens, concedida para o homem conseguir o seu destino de associação ,porque assim o determinou o Criador se não fosse o poder aglutinador da palavra não teria havido a evolução da espécie. A sua análise,profunda nesse aspecto, foi puramente filosófica, diferentemente do que levaram a efeito as teorias evolucionistas. Abordou o tema a nível abstrato. Entende o direito de propriedade como aproximador e, não, afastador , em contrário do que propugna Rousseau . E, o trabalho, o fundamento para legitimar a propriedade e delimitar a sua extensão. A soberania exercida pelos monarcas comparada à dos pais sobre os filhos, tinha Adão como o varão ascendente em linha direta de todos os soberanos, alicerçando o poder patriarcal como concessão de Deus. É a origem da soberania por graça divina ,doutrina firmemente defendida por Robert Filmer, mas que , já à época de Locke não estava mais em vigor na parte continental européia.
Rousseau avançou na análise do trabalho, entendendo que ele escravizou o homem não proprietário, sendo elemento de desigualdade, e, não , de igualdade, em oposição ao que entendia Locke. Muito embora já considerasse a diferença entre ricos e pobres, proprietários e não proprietários, entendeu que o trabalho posterior ao pacto acentuou as desigualdades.
Locke e Rousseau , além de liberais, eram democratas, pois em suas doutrinas entendiam que o Estado devia visar ao bem geral. E, ainda, que o pacto adveio como direito. O segundo , embora entendesse que este apareceu inicialmente como uma imposição de determinado homem que exercia força não por ser o mais forte mas, sim, o mais rico, perdeu essa característica na medida em que este também necessitava do concurso dos demais para defender-se e para legitimar o pacto,e, aí, sim, transformou-se em um direito.
O terceiro pensador , Hobbes, defendeu que o pacto veio pelo direito do mais forte e continuou com a necessidade de força não desvirtuada, através do esvaziamento dos direitos e garantias políticos e ilimitado poder que se devia dar ao soberano . A distorção desse poder com o uso ilimitado da força é que levou ao despotismo e absolutismo, culpa da própria constituição e desenvolvimento do Estado, que considerou como um animal artificial, com vida própria, independente de seus membros- o Leviatã – criação do homem , imitando a natureza , que por fim, perdeu o controle sobre ele, tornando-se sua vítima. Como criador, o próprio homem impôs a ele as suas características, inclusive as negativas. E atribui a perda de controle sobre o Estado ( do criador sobre a criatura) ao fato de os homens o haverem deixado fora do pacto social, independente, assim, sobre todos os homens, individualmente, e sobre a sociedade. Mas isentando o Monarca Absoluto de responsabilidade, estaria este, pois, como todos os outros, submetido ao pacto social – na posição do mais forte, evidentemente, mas à qual havia sido guindado justamente por decisão não dele, mas da sociedade. Defende o contínuo uso da força por entender que a natureza humana é de discórdia e se ela não existir para contê-los, os homens estarão sempre em estado de guerra entre si.
Hobbes, diversamente dos dois outros pensadores, era absolutista e, como distinguia o Soberano do Estado, imputava a este os males que na realidade advinham do excesso de poder do monarca , levando toda a culpa do despotismo para o Estado-Leviatã..
Do que pudemos observar desta ligeira análise das obras dos três grandes humanistas filósofos, temos : foi , na realidade, embora com tendências diversas e partindo de princípios fincados em teorias em princípio consideradas opostas ( a do criacionismo e a do evolucionismo ) o fato de que todos convergiram no sentido da existência de direitos naturais e direitos político, os segundos posteriores aos primeiros.
Os direitos naturais, inerentes a um estado de natureza do homem.. Os direitos políticos, posteriores em tempo àqueles, decorrentes de um pacto ou contrato social, em uma fase na qual o ser humano já estaria se reunindo em sociedade.
Para Locke, a reunião em sociedade era o destino da humanidade, pois seríamos seres sociais por predestinação divina e, assim, a liberdade individual plena não seria uma de nossas características, pois a vida em sociedade pressupõe a inexistência da mesma. Estaria aí negado o livre arbítrio na escolha do nosso destino político : a submissão a um soberano não seria propriamente um direito natural, mas um postulado divino, através do poder patriarcal de Adão transmitido em linha reta àqueles já nascidos com a predestinação de governar – a soberania se exerceria , destarte, com os mesmos princípios do poder de vida e morte dos pais sobre os filhos. A falha, nessa sistematização sobre direitos naturais e políticos é a fatal condução ao absolutismo e ao despotismo. Mas nem por isso se pode ignorar o valor dos grandes postulados contidos na sua teoria, notadamente sobre o estado de natureza e a definição de poder político. Para ele, portanto, o PODER POLÍTICO tem origem divina.
Para Hobbes e Rousseau , ao contrário , a liberdade individual plena é inerente ao ser humano, o qual , em algum momento de sua existência como um todo , teve de renunciar a ela em benefício da própria preservação da espécie – neles não encontramos o fatalismo do primeiro filósofo apontado, mas uma decisão de livre arbítrio individual em favor do coletivo.Não seria, pois, o ser humano, uma espécie naturalmente social – a associação adveio da necessidade de proteção. Em Hobbes , essa necessidade seria decorrência do estabelecimento de proteção recíproca, pois a discórdia é inerente à natureza do homem, por três causas principais, quais sejam , a competição , a desconfiança e a glória. E os direitos políticos adviriam justamente da necessidade da existência de um poder comum capaz de manter a todos os humanos em respeito , sem o qual todos viveriam em estado de guerra constante . Para ele, portanto , PODER POLÍTICO provém da força e deve ser absoluto - a deturpação do poder é imputada ao Estado, que denomina de LEVIATÃ . Até mesmo o monarca teria ficado sujeito a ele, animal artificial, criado pelo homem, animal natural, à sua imagem e semelhança e, dessa forma, com todos os defeitos do seu criador, os quais teriam crescido demais em detrimento das qualidades, num processo em que os homens não conseguiram manter o controle. Esse Leviatã teria sido criado, também, em decorrência de um pacto social, e, portanto, com o exercício do livre arbítrio. Não há o fatalismo de Locke.
Rousseau foi quem mais influenciou o pensamento humanístico moderno, exercendo grande influência nas correntes de pensamento que levaram à Revolução Francesa, com os ideais de Comte , de liberdade, igualdade e fraternidade. Opôs-se ao fatalismo do poder do soberano por determinação divina de Locke e à natureza de discórdia inerente à espécie humana, defendida por Hobbes ( doutrina de direitos políticos “da força pela força”). Sua doutrina se baseia exatamente no contrato social , após um profundo estudo sobre a origem das desigualdades. Para ele, também, o PODER POLÍTICO advém do livre arbítrio. Entende, contudo , que, no momento humano da celebração do contrato social, onde houve renúncia da liberdade individual por escolha , por reconhecerem os que os assinaram as vantagens de um estabelecimento político, não atentaram os subscritores para os perigos dos abusos. E os que os previram eram justamente aqueles que pretendiam praticá-los para seu próprio proveito individual. E o erro, para ele, foi justamente nesse sentido : se tivessem sido previstos os abusos eventuais, no pacto social teriam sido incluídas cláusulas para inibi-los, o que não foi feito. E resume, na seguinte frase, as conseqüências desse erro, que nos atinge até os dias de hoje: “TODOS CORRERAM AO ENCONTRO DE SEUS GRILHÕES”
A grande lição que podemos retirar de tudo o que foi analisado é que, se houve uma vez um PACTO OU UM CONRATO SOCIAL, ele pode ser revisto, eis que o ser humano evoluiu nos tempos e o seu estado natural, quer tenha sido beligerante, quer tenha sido pacato, já não possui mais todas as suas características iniciais, pelo acúmulo das experiências existenciais coletivas e individuais, além da modificação do meio ambiente em que vivemos, com a introdução de novas necessidades e o desaparecimento de outras tantas. Mas a preservação da espécie estará sempre presente no inconsciente coletivo como uma lei imutável da Natureza, direito-obrigação acima e prevalente aos direitos naturais e políticos – e é ela quem vai conduzir a sociedade como um todo à proteção das gerações humanas que estão por vir.
(1): William Prynne era um panfletário puritano que publicara um panfleto (crítico) ao teatro, quando a rainha e damas da corte ensaiavam uma peça, por isso foi condenado e teve executada uma sentença de perda das orelhas. Em 1637 destribuiu outro panfleto, tecendo críticas ao membro do governo. Desta feita, a multidão, reunida na praça dos Martírios, se rebelou: A sentença era de ter as bochechas marcadas com ferro em brasa com as letras S.L. (Seditions Libeller, ou Libelo Sedição) e ter cortado o que lhe restara das orelhas. Quando o carrasco iniciou a execução, ouviu-se um brado de revolta de todos os presentes, frente a semelhante terror. E esse brado ecoou em toda a Inglaterra, até mesmo dentro do Palácio Real e deu-se a queda do monarca. Iniciava-se assim uma nova era, em que os direitos do cidadão começaram a ser reconhecidos, graças à reação da coletividade.
V – B I B L I O G R A F I A
Enciclopédias :
Barsa Delta-Larousse
Livros :
DUGUIT, Leon Fundamentos do Direito, Trad. Eduardo Salgueiro, 2ª. Ed., Editorial Inquérito, Lisboa, Portugal
HOBBES, Thomas de Malmesbury Leviatã, trad. De João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, Ed. Cultural (Abril), coleção “Os Pensadores”, Brasil.
LIMA, Hermes Introdução à Ciência do Direito, 27ª. Ed., Ed. Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, Rio de Janeiro, Brasil
LOCKE, John Two Treatises of Government, Inglaterra.
LOCKE, John Segundo Tratado sobre o Governo , trad de E. Jacy Monteiro, Ed. Abril Cultural, coleção “Os Pensadores” , Brasil
LOCKE, John Ensaio Acerca do Entendimento, Trad. Anoar Aiex, Ed. Abril Cultural, coleção “Os Pensadores”, Brasil
PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1936, Brasil
ROUSSEAU, Jean Jacques Do Contrato social, Trad. Lourival Gomes Machado, Ed. Abril Cultural, coleção “Os Pensadores”, Brasil
ROUSSEAU, Jean Jacques Discurso sobre a Seguinte Questão, proposta pela Academia de Dijon :”Qual é a Origem das Desigualdades entre os Homens?”, Trad. Ed. Abri l Cultural, coleção “Os Pensadores”
SOARES, Orlando Direito Constitucional, Brasil
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2004.
Lia Pantoja Milhomens Autora
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