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"Habitamos um universo
onde átomos são formados no centro
de estrelas, onde a cada segundo nascem mil sóis,
onde a vida é lançada pela luz solar
e acesa nos ares e águas dos planetas jovens,
onde a matéria-prima para a evolução
biológica é algumas vezes obtida
a partir de uma explosão estelar na outra
metade da Via-Láctea, onde algo belo como
uma galáxia é formada cem bilhões
de vezes; um Cosmos de quarks e quasares, flocos
de neve e pirilampos, onde pode haver buracos
negros, outros universos e civilizações
extraterrestres cujas radiomensagens estão
neste momento atingindo a Terra. Muito pálidas,
em comparação, são as pretensões,
superstições e pseudociências
– como é importante para nós
nos dedicarmos ao entendimento da ciência,
este esforço caracteristicamente humano”.
Com sua formação
multidisciplinar e talento para a expressão
escrita, Carl Sagan legou-nos um formidável
acervo de obras, dezenas delas, dentre as quais
figuram clássicos como Cosmos – que
foi transformado em uma premiada série
de televisão, acompanhada por mais de meio
bilhão de pessoas em todo o mundo –,
Os Dragões do Éden, O Romance da
Ciência, Pálido Ponto Azul e O Mundo
Assombrado Pelos Demônios. Sem medir esforços
para divulgar a ciência, Carl Sagan escreveu
ainda o romance Contato – visando atingir
o grande público interessado pelo gênero
–, obra que foi inclusive levada para as
telas de cinema, no ano posterior a sua morte.
A última obra do autor – Bilhões
e Bilhões – foi publicada postumamente
por sua esposa e colaboradora Ann Druyan e consiste,
fundamentalmente, numa compilação
de artigos inéditos escritos por Sagan.
De fato, fosse pela literatura científica
formal ou de divulgação, pela televisão
ou cinema, Carl Sagan buscou sempre oferecer ao
público – leigo ou especializado
– a mais completa e acessível visão
científica dos fatos que se fez possível.
“É um desafio
supremo para o divulgador da ciência deixar
bem clara a história real e tortuosa das
grandes descobertas, bem como os equívocos
e, por vezes, a recusa obstinada de seus profissionais
a tomar outro caminho. Muitos textos escolares,
talvez a maioria dos livros didáticos científicos,
são levianos nesse ponto. É muitíssimo
mais importante apresentar de modo atraente a
sabedoria destilada durante séculos de
interrogação paciente e coletiva
da Natureza do que detalhar o confuso mecanismo
de destilação. O método da
ciência, por mais enfadonho e ranzinza que
pareça, é muito mais importante
do que as descobertas dela”.
O analfabetismo científico
que infelizmente caracteriza a maioria das pessoas
sempre preocupou o espírito de Carl Sagan,
que enxergava nisto uma porta aberta para os discursos
dogmáticos e falaciosos que bombardeiam-nos
a todo o momento, e que não tardam por
lograr-nos a oportunidade de estabelecer um contato
mais direto com a realidade que nos cerca. “Ignorância
alimenta ignorância”, nos dizia Sagan;
e sem dúvida o melhor antídoto para
a ignorância é a Ciência, razão
pela qual o cientista buscou por todos os meios
popularizar o conhecimento científico.
“A ciência
nos esclarece sobre as questões mais profundas
das origens, naturezas e destinos – de nossa
espécie, da vida, de nosso planeta, do
Universo. Pela primeira vez na história
humana somos capazes de adquirir uma verdadeira
compreensão desses temas. Toda cultura
sobre a Terra tem tratado deles e valorizado a
sua importância. Todos nós nos sentimos
tolos, quando abordamos essas questões
grandiosas. A longo prazo, a maior dádiva
da ciência talvez seja nos ensinar , de
um modo ainda não superado por nenhum outro
empenho humano, alguma coisa sobre nosso contexto
cósmico, sobre o ponto do espaço
e do tempo em que estamos, e sobre quem nós
somos”.
Infelizmente, tal extraordinário
ser humano que foi Carl Sagan deixou-nos em 1996,
vitimado numa comovente luta contra o câncer.
Desde então, resta-nos ao menos seguir
o exemplo de sua humanidade. |