Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios da informação e da transparência. 3. Contrato de adesão. 4. Adesão Informada. 5. Nulidade contratual. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A celeridade com que o mercado de consumo vem se desenvolvendo neste Século inaugural de um terceiro milênio, fez com que as especificidades e necessidades da pessoa cidadã fossem alvo de lei especial, que, levando em conta todas as características e circunstâncias do consumidor, conferiu-lhe uma tutela bem mais efetiva, em reconhecimento de sua flagrante vulnerabilidade e hipossuficiência técnica frente ao fornecedor de produtos e serviços.
De fato, a substituição do papel-moeda por cartões de crédito e débito e a compra e venda virtual trouxeram ao mundo negocial modificações significativas, a ponto de ser desprezada a forma, até então usual, de acertamento pelo “fio do bigode”, com a utilização da assinatura digital.
Bom lembrar que, em algum momento da vida em comunidade, somos todos consumidores, independentemente do grau social ou cultural em que cada um se encontre. O direito do consumidor é direito social, um direito humano de nova geração, uma vez que o novo regramento consumerista em seu art. 1º “estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.
Ainda que proclamado, como assinala CRISTIANO SCHMITT, “fundamental para as relações de consumo, visto que nem o fornecedor, nem o consumidor, dispõem de tempo para discutir as cláusulas contratuais envolvendo objetos corriqueiros e necessários para a vida moderna”1, as cláusulas e condições gerais do contrato, por serem unilateralmente fixadas pelo fornecedor, não permitem uma prévia discussão acerca de seus termos, alcance e sujeição, facultando-se ao consumidor, tão-somente, a adesão, ou, diante de qualquer não-concordância, a não-efetivação do negócio.
2. PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA
Em trabalho anterior sobre o tema, de que, por questões de ordem prática, me permito aqui reproduzir breve passagem, dei destaque a dois princípios basilares que, dentre outros, sinalizam com maior claridade o tema que ora trago a discussão: o da informação e o da transparência. 2
Com efeito, a informação, como um dos princípios norteadores das relações de consumo, tem como fundamento a educação e a harmonia de fornecedores e consumidores com vistas ao aprimoramento do mercado de consumo (art. 4º, IV, CDC).
O dever de informar, como assevera CLÁUDIA LIMA MARQUES, representa, no sistema do CDC, “um verdadeiro dever essencial, dever básico (art. 6º, inciso III) para a harmonia e transparência das relações de consumo”.3
Daí por que “a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31, CDC).
Aliás, no V Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor/Brasilcon, dentre as conclusões voltadas para os contratos cativos de longa duração ou contratos relacionais, merece destaque a de nº 7, que assim conclui: “O princípio da informação adequada nos contratos relacionais de consumo envolve o dever de informar não apenas no momento da celebração contratual, mas durante todo o período da performance ou execução contratual (aprovada por unanimidade)”.
Já a transparência, em linhas gerais, “é a clareza qualitativa e quantitativa da informação que incumbe às partes conceder, reciprocamente, na relação jurídica”, o que somente pode ser alcançado “pela adoção de medidas que importem no fornecimento de informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor, bem como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto e serviço”.4
A bem da verdade, a conjugação desses dois princípios tem por objetivo, em última análise, proteger também o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços (art. 6º, IV, CDC).
Do princípio da transparência decorre o dever do fornecedor de informar previamente o consumidor, de forma clara e correta, sobre as qualidades do produto, quantidade, características, composição, preço e condições da oferta (art. 6º, III, CDC), sob pena de responder pela falha da informação (art. 20, CDC) ou ser forçado, judicialmente, a cumprir a oferta nos termos em que foi transmitida (art. 35, I, CDC).
3. CONTRATO DE ADESÃO
Ainda no campo teórico, define o Código de Defesa do Consumidor como sendo de adesão o contrato “cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo” (art. 54).
Ao simplificar o modo de formação do vínculo, como faz ver HELOISA CARPENA, ficou o contratante “mais exposto a riscos, pois muitas vezes ele sequer tem conhecimento dos reais efeitos jurídicos decorrentes do acordo”.5
4. ADESÃO INFORMADA
O Código do Consumidor, ao consagrar o princípio da legibilidade das cláusulas contratuais, impôs ao fornecedor o dever de prestar ao aderente os esclarecimentos necessários sobre todas as cláusulas e condições do contrato (art. 46, CDC).
O Estado do Rio de Janeiro, de forma inovadora, editou a Lei nº 5.189, de 14 de janeiro de 2008, que, em seu artigo 1º, torna obrigatório o acesso à leitura do contrato de adesão antes de a ele o consumidor aderir, quer seja pelo endereço eletrônico da empresa, quer seja pelas cópias disponibilizadas nas agências revendedoras, em locais visíveis.
Dispõe, ainda, que “todas as dúvidas do consumidor devem ser esclarecidas antes da data da sua assinatura no contrato” (parágrafo único).
A iniciativa se, por um lado, altera substancialmente o uso e costume até aqui praticados, já que o consumidor, no mais das vezes, sequer tem acesso à cópia do contrato ao qual aderiu, traz, por outro, um importante instrumento para os operadores do direito: a possibilidade de se buscar a declaração judicial de nulidade de determinada cláusula ou da integralidade da avença.
Nesse caminhar, a Lei nº 11.785, de 22 de setembro de 2008, alterando o § 3º, do art. 54, da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor –, ao dispor que “os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”, afastou, definitivamente, a possibilidade de serem escamoteadas cláusulas restritivas de direitos e obrigações.
Havendo, pois, estipulação limitativa que possa ao consumidor acarretar qualquer desvantagem, deve aquela ser pelo fornecedor imediatamente revelada, com esclarecimentos sobre o seu alcance e suas reais implicações no contrato.
Prestadas as informações sobre as condições e cláusulas do contrato, deve o fornecedor, a seguir, cercar-se de cuidados e garantias que comprovem a aceitação formal do aderente.
Na verdade, o consentimento é um processo e não uma forma, razão pela qual tem que ser obtido ao final de um indispensável diálogo, através do qual as partes trocam informações e se interrogam reciprocamente, culminando com a formalização da aderência aos termos e condições pelo fornecedor propostas.
O consentimento informado, ou consentimento esclarecido, não pode ser visto, pois, como uma simples formalidade. É, sem maiores digressões, o resultado de um diálogo em que fornecedor e consumidor, imbuídos da mais estrita boa-fé, buscam esclarecer dúvidas, e que não se encerra com o simples lançamento da assinatura do aderente no espaço pelo fornecedor no contrato reservado.
5. NULIDADE CONTRATUAL
Em conseqüência, a não-observância pelo fornecedor de produtos e serviços das normas protetivas previstas no CDC configura, em razão do caráter público do interesse protegido, nulidade absoluta da cláusula ou de todo o contrato de consumo. 6
De fato, pode a abusividade de determinada cláusula invalidar todo o contrato, quando, por exemplo, “de sua essência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes” (art. 51, § 2º, CDC).
Há, também, previsão expressa no Código para que se promova a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6º, V, CDC).
Na prática, como doutrina LEONARDO ROSCOE BESSA, “o reconhecimento da abusividade e conseqüente declaração de nulidade das cláusulas inseridas em contratos de consumo podem e devem ser conhecidos de ofício (ex officio) pelo magistrado, portanto, independentemente da formulação de qualquer pedido na ação ajuizada pelo consumidor ou até mesmo quando o consumidor figurar como réu. Trata-se, portanto, de exceção à regra de que ‘o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta’ (art. 128 do CPC)”.7
6. CONCLUSÃO
Diante de tais ponderações, conclui-se que:
a) nos contratos em que as cláusulas não estejam redigidas em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte seja inferior ao corpo doze, de modo a dificultar sua compreensão pelo consumidor, a formal aceitação do consumidor não o obriga ao cumprimento das condições que em seu desfavor lhe são impostas (§ 3º, do art. 54, da Lei nº 8.078/90, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.785/2008 – Código de Defesa do Consumidor);
b) não sendo dada a oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento prévio do conteúdo do contrato, ou se for redigido de forma a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, o pacto é tido por inexistente (art. 46, CDC), muito embora a oferta continue a obrigar o fornecedor (art. 20, CDC);
c) existindo no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, adotar-se-á a interpretação mais favorável ao consumidor-aderente (art. 47, CDC, e 422, Código Civil);
d) o reconhecimento de determinada cláusula contratual que, dentre outras, esteja “em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor” (inc. XV), se mostre “excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso” (§ 1º, inc. III), ou que estabeleça “obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatível com a boa-fé ou a eqüidade” (inc. IV), independe de prévia manifestação formal da parte aderente, já que pode ser feita de ofício pelo juiz, em qualquer grau de jurisdição;
e) por se tratar de responsabilidade objetiva (art. 12 e 14 do CDC), cabe ao fornecedor o ônus de provar que o consumidor foi devidamente informado, com correção e presteza, sobre todos os termos, condições e limitações da avença; 8
f) a sanção pela falta de clareza ou pela ausência de destaque das cláusulas limitativas de direitos (art. 54, § 3º, CDC) é a nulidade, uma vez que se põem em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (art. 51, XV, CDC).
São estas as propostas que ora submeto à comunidade consumerista.
NOTAS DE RODAPÉ
1 SCHMITT, Cristiano Heineck. “As cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor”. Revista de Direito do
Consumidor, nº 33, janeiro-março de 2000. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 174-175.
2 CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 9.
3 Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 646.
4 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 101.
5 O consumidor no direito da concorrência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 205.
6 SCHMITT, Cristinano Heineck. Ob. cit. p. 173.
7 BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Cláudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 294.
8 A inversão do ônus da prova, nesta hipótese, se dá ape legis, independentemente, pois, de determinação do juiz no curso do processo (ape judicis).
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