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Corrupção

 

CORRUPÇÃO - Um Estudo sobre suas Origens, sua Fiscalização
e suas Causas em Nossos Dias

 

Autora: Lia Pantoja Milhomens

15 de Julho de 2009

 


Índice

1

I - INTRODUÇÃO AO TEMA
- Considerações Preliminares
- Os dois conceitos Atuais de Corrupção
- Detecção Tardia da Corrupção
- Comunicação do Eleitor com o Candidato
- Formação do Terceiro Setor
- A Internet e o Exercício da Cidadania
- Conselho Tutelar do Terceiro Setor

2

II - CONCEITOS DOUTRINÁRIOS
- O “Animal Cívico”
- Revolução Industrial e Relativismo
- O Estado Moderno e o Leviatã

3

III – A CORRUPÇÃO EM CONCRETO
- Conceito de Corrupção de Funcionário Público no Direito Brasileiro
- Corrupção e imperfeição humana
- Fiscalização em uma Democracia Moderna
- Há Corrupção Pessoal também na Democracia Direta, mas é mais fácil controlá-la.
- Possibilidade ou não de Retorno à Democracia Direta
- Veja Mais sobre o Assunto

 





 

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

 

                                               A Democracia na Antiga Grécia, que foi o seu berço, especificamente a de Péricles, em Atenas, era direta, ou seja, na qual todos os cidadãos podiam participar diretamente no processo de tomada de decisões, não havendo representação por sufrágio junto à administração pública (vereadores, deputados e senadores). E a fiscalização e o acompanhamento das políticas de governo e da conduta dos funcionários eram feitos por um mecanismo muito peculiar, a Bulé, ou Conselho dos Quinhentos, que se demonstrou muito eficaz -  não guardava semelhança e finalidade com o nosso atual  Parlamento. A Bulé era a reunião em praça pública, a Ágora, várias vezes ao ano, de quase toda a população com idade e experiência necessárias ao trato político (por isso quinhentos) para acompanhar a execução dos programas, cobrar e fiscalizar as atividades dos administradores, com o poder de votar a destituição daqueles que desviassem suas atividades do interesse público, em favor de seus interesses pessoais, por corrupção, pois. Ou, ainda, daqueles que nada realizassem levados ou não pela corrupção, mas pela simples inépcia.

                                                Complexidade de relações de trabalho - a complexidade das relações de trabalho e do próprio sistema de vida do homem moderno, nos aglomerados das grandes cidades em que se transformaram as antigas vilas, a partir da revolução industrial, quer em sistemas capitalistas, comunistas ou autoritários, não permite ao indivíduo, genericamente, o exercício pleno da sua cidadania. Ou seja, o cidadão não consegue mais ser o homem político, o homem cívico, referido por Aristóteles, pois lhe falta o tempo suficiente para o acompanhamento constante da política, através de reuniões e conversas com outros indivíduos, a fiscalização contínua do cumprimento de promessas de campanha, como acontecia na antiga Grécia. A maior parte das vezes nem mesmo jamais ouviram falar sobre o candidato em que acabam votando, por falta de outra opção, dentre os que aparecem em programas de propaganda eleitoral obrigatórios ou que são elogiados por pessoas ou entidades financiadas por setores econômicos que os apóiam e naturalmente têm interesse  pessoal  em  sua eleição para mais tarde  terem seus pleitos atendidos, muitas vezes  contrariamente ao  interesse do próprio cidadão que  lhes deu o voto  e  do interesse  público.

                                               O ser humano não perdeu a sua natureza. Mas as relações sociais, a partir da revolução industrial e da globalização, perderam a simplicidade e estão sufocando o indivíduo, perplexo diante de uma situação fora do seu controle. E essa situação esmagadora da natureza social humana cedo ou tarde poderá provocar uma reação de agressividade: a passividade ora existente se assemelha, utilizando-se outro exemplo da natureza, ao recuo do mar, acumulando energia para o desabrochar de uma “tsunami”.

 

 OS DOIS CONCEITOS ATUAIS DE CORRUPÇÃO
                                      
                                    A maioria dos estudiosos de ciências políticas costuma dividir o estudo da corrupção entre “corrupção de governo” e “corrupção pessoal

                                   Neste estudo pretende-se examinar a “corrupção pessoal” como se apresenta nos dias de hoje, bem como pesquisar uma forma eficaz de fiscalização das atividades dos políticos, centrada na sociedade civil, independente de órgãos públicos, mais especificamente pelas organizações não governamentais componentes do Terceiro Setor, excluídas as que tenham em sua administração ou políticos ou seus parentes até o terceiro grau, ou aquelas financiadas exclusivamente por órgãos da administração pública direta ou indireta, as quais de certo guardam vínculos de dependência com o poder público, ou ainda, financiadas exclusivamente por uma empresa ou conglomerado empresarial do setor privado, com finalidades que abranjam setores de seu interesse pessoal.

 

DETECÇÃO TARDIA DA CORRUPÇÃO

 
 

                                                Na maior parte das vezes os órgãos públicos encarregados da fiscalização e punição dos políticos somente têm notícia dos atos desviantes de conduta política ou mesmo de corrupção, quando já é muito tarde para corrigi-los através dos órgãos estatais administrativos e judiciários. E estes não estão preparados para o repentino estado de desagregação de valores e padrões das classes políticas estatais do mundo moderno. Por outro lado, a máquina do Estado, geralmente complexa e burocratizada, à qual incumbe a fiscalização e apuração de atos desviantes, não possui a celeridade suficiente para a detecção e correção das atividades do corruptor (corrupção ativa) e do corrompido (corrupção passiva) antes que já tenham assumido proporções perigosas para a estabilidade social. E, por isso, geralmente , saem ilesos corruptores e corrompidos, que, de tanto hábito de praticar esses ilícitos, sem a devida punição, perdem a noção da ética, dos padrões sociais e dos limites, e chegam a acreditar mesmo estarem agindo dentro da mais absoluta normalidade, Comportam-se, nas mais das vezes, como vítimas de algozes incultos e elevando cada vez mais sua arrogância, pois, a essa altura, não existe alguém que lhes ponha cobro aos atos desviantes ou os destitua dos cargos que ocupam.

                                                E se a máquina estatal não consegue acompanhar as mudanças de padrão surgidas com o evento da globalização e da revolução industrial, estabelecendo os caminhos éticos necessários para a estabilidade social, cabe ao povo, que já sente as conseqüências desses fatos históricos em adversidades ao seu bem estar, exercer essa função, diretamente. Se a classe política não consegue encontrar o seu norte, nesse emaranhado de acontecimentos, a ajuda ao Governo na solução desses impasses, para este poder continuar gerindo a coisa pública eficazmente, deve surgir da própria sociedade, maior interessada, afinal.

 

COMUNICAÇÃO DO ELEITOR COM O CANDIDATO

 

 

                                               A comunicação direta do cidadão com o seu representante político (aquele a quem destinou o seu voto nas urnas), depois que este é empossado, é cada vez mais aproximada da impossibilidade, porque, além  de  não  o conhecer pessoalmente  e  nem sempre  ter informações detalhadas sobre a sua personalidade,vida pregressa  e  capacidade  para o cargo, a própria aproximação  com ele se torna então  plena de obstáculos e  complexidades  que  inibem  a atuação cívica individual . Sem tempo para informar-se e sem condições de aproximar-se dos seus representantes, transforma-se o indivíduo, no estado moderno, em um elemento apenas propulsor de uma máquina administrativa que não alcança o bem-estar público por ele esperado. E, sem capacidade de atuação, fica relegado ao estado de mero expectador e de vítima de ações desse próprio governo que ajudou a instalar. Essa segregação do indivíduo pode levar a um de dois fenômenos sociais: ou a indignação  crescente dos indivíduos, cujas conseqüências não se pode prever, ou a reação da sociedade no sentido de formar conglomerados pacíficos de pessoas  que   possam atuar efetivamente  em  benefício da coletividade, ora  apresentando reivindicações, ora  atuando onde o governo não se demonstra  capaz.Agora,  já no século XXI, esse segundo  fenômeno tem se  intensificado  no mundo inteiro, de  uma maneira  uniforme, dadas as características da globalização da economia e do evento das facilidades de comunicação  da “world wide web” (Internet) ,   fenômeno esse conhecido como Terceiro Setor.

 

FORMAÇÃO DO TERCEIRO SETOR

 

                                                Nos intrincados meandros das relações sociais hodiernas, o cidadão, como indivíduo, não possui condições de fazer frente à influência e poderio das grandes organizações empresariais, do comércio e indústria. Estas, na qualidade de pessoas jurídicas apresentam uma situação que lhes confere certo grau de impessoalidade, levando qualquer um ao risco de confundir o seu interesse privado com o interesse público. Ainda por causa dessa aparência de interesse público, têm muita facilidade em contatos com políticos e em influenciar ou confundir o setor governamental, ao passo que os demais setores da sociedade, desprovidos do poderio econômico, ainda não congregados em “organizações não governamentais”, não gozam desse mesmo privilégio.

                                                O Terceiro Setor, fenômeno político natural, que tomou enorme implemento a partir da segunda metade do século XX, organizando-se, em todos os estados nacionais e organismos supranacionais, surgiu espontaneamente do seio da própria sociedade, ou para suprir omissões dos governos, ou para complementar suas atividades, onde estes não conseguem alcançar. Essa experiência, nova e moderna, já é regulamentada por parte das autoridades investidas, inclusive no Brasil, que lhes reconhecem a utilidade e a necessidade em face dos grandes desafios da modernidade. Essas organizações, com finalidades sociais e não lucrativas, necessitam, para se tornarem centros de atuação social, de possuírem credibilidade tanto junto aos governos quanto ao público.

                                               As Organizações Não Governamentais, como são chamadas as que formam o Terceiro Setor, são representativas de determinados setores sociais ou da sua intelectualidade. Têm, na qualidade de pessoas jurídicas, o acesso facilitado aos meios detentores do poder na sociedade, quer públicos ou privados, e condições mais vantajosas de diálogo com seus representantes, por apresentarem, tanto quanto aqueles, a característica da impessoalidade de interesses. Exercem a cidadania como premissa de sua existência, em substituição ao ser individual, que já não encontra forma de acompanhar e influenciar, pelo seu voto , e  por si, individualmente,  a evolução dos acontecimentos políticos da administração pública , desde  a  escolha  dos candidatos a cargos eletivos , até a fiscalização  da execução dos planos de governo e do cumprimento das promessas de campanha.

 
 

                                                Os fundamentos principais para se eleger o Terceiro Setor como fiscalizador da atividade política são os seguintes:

                                              a) Origem das ONGs - salvo exceções, as organizações não governamentais surgem espontaneamente do seio da sociedade civil com vista ao interesse público, por iniciativa de pessoas interessadas  em resolver problemas da coletividade, sem finalidade de  lucro ou  envolvimento político-partidário.

                                             b) Fundadores das ONGs  - salvo exceções facilmente detectáveis,os fundadores  das organizações do Terceiro Setor  guardam em sim  uma liderança nata,  direcionada para o bem público,   em abrangência maior ou menor  de atividades , mas sempre  sem  finalidade  lucrativa, e conseguem congregar para seus objetivos a colaboração de diversos integrantes do corpo social, constituindo-se numa fonte de irradiação do bem comum.

                                           c) Composição das ONGs - os que aderem às organizações não governamentais têm disponibilidade de tempo e vivência  direta com o povo em geral  , especialmente  as partes  menos aquinhoadas das benesses  políticas, com as quais  manifestam grande empatia , ao mesmo  tempo em  que têm  penetração em  determinados setores públicos e privados capazes de lhes fornecer meios econômicos  e materiais para a consecução de seus objetivos.

 

A INTERNET E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA

 
 

                                                Atualmente não possuimos a Ágora em seu sentido físico, mas possuimos a Internet, também um espaço público, a Ágora em sentido virtual, que tem um âmbito mundial, muito maior do que aquela, cuja abrangência se resumia somente a cada cidade-estado a que pertencia. A mobilização dos cidadãos, em ambas, contudo, é muito semelhante. Se na Grécia antiga as cidades-estado e as respectivas populações eram tão pequenas que alguns poucos arautos conseguiam a mobilização popular em muito pouco tempo, no Estado moderno, a extraordinária velocidade e facilidade de intercomunicação pela Internet a produz em questão de poucas horas, a nível nacional ou mundial, quer o indivíduo esteja em seu trabalho, em sua residência, em suas horas de lazer. Não havendo necessidade da presença física do cidadão para a intercomunicação via Internet, os inconvenientes do seu transporte não existem.

                                                A nossa Ágora do século XXI, a Internet, já está construída e é a mais avançada conquista humana moderna de ciência de comunicação social. Ela está aí, pronta, à espera de que  direcionemos  nossas atividades  políticas  para  ela; falta, apenas, aquele  ente   organizador e congregador   dessa atividade individual   política, inerente à natureza humana, pois, sem  um  centralizador e catalisador , as   opiniões  dadas pelos cidadãos,individualmente,   ficarão dispersas e sem eficácia real.

                                                Possível, através das comunicações via Internet, é até mesmo a fiscalização sobre a vida pregressa daqueles que se apresentam às diversas candidaturas, a tempo de se evitar que pessoas desqualificadas alcancem o poder e dele se apropriem para o exercício de seus interesses particulares ou de conglomerados empresariais que os financiam.

 

CONSELHO TUTELAR DO TERCEIRO SETOR

 
 

                                                O Terceiro Setor é florescente em todos os países do mundo, constituído por organismos não governamentais, sem finalidade lucrativa, apenas com o fito de lutar pela efetivação do bem-estar social, em última análise, o interesse público. É bem verdade que existe uma parcela dessas instituições que deve ser extirpada ou sofrer uma grande remodelação em sua estrutura, mediante regulamentação efetiva do setor. Mas todos os movimentos, no início, apresentam imperfeições que aos poucos são corrigidas. Notadamente um hábito que se vem instalando, de financiamento de  ONGs  com verbas públicas, merece ser revisto – esta prática é contrária à sua  natureza  jurídica   e à finalidade de sua  criação e poderá, de futuro, fazer com que  se transformem em  uma  outra espécie  de repartições  públicas, desvirtuando   os fundamentos  da sua existência.

                                                O Terceiro Setor, que já representa diversificados setores da sociedade, não pode ser confundido com a administração pública: é formado por cidadãos que, à semelhança dos componentes da anciã Bulé, possuem acuidade na vivência social e experiência de cidadania suficientes para entender as necessidades públicas, e fiscalizar a atuação político-administrativa dos mandatários do governo, inclusive do Poder Legislativo. Até porque  estão  mais  próximos  da  população e com ela interagem  direta e constantemente.

                                                A nossa proposição é oferecer a idéia da criação de um Conselho Tutelar do Terceiro Setor. Dele fariam parte órgãos não governamentais indicados por co-irmãos e que sejam os mais representativos da atuação político-social em prol do interesse público, tudo com a finalidade de acompanhamento e fiscalização da atividade individual dos representantes do povo, nas três esferas da administração pública (onde há municipalismo, como no Brasil). O fundamento jurídico para essa proposição é o próprio direito político do ser humano organizado em sociedade justamente para a consecução do benefício público, de fazer valer a sua condição de destinatário da atividade política – sem povo não existe nação e, sem nação, não existe o estado.  

                                                Em primeiro lugar, estariam impedidas de votar na indicação e de participar do Conselho aquelas ONGs em que políticos, funcionários públicos ou seus parentes, até o terceiro grau, fizessem parte da sua administração; e aquelas dependentes exclusiva ou principalmente de verbas públicas para se manterem; e ainda aquelas mantidas exclusivamente para atender interesses particulares ou fiscais de empresas privadas ou aquelas criadas e geridas pelos próprios órgãos públicos, de qualquer dos três poderes federais (executivo, legislativo e judiciário), estaduais ou municipais.

 
 
 

O “ANIMAL CÍVICO”

                                               O ser humano, como elemento formador da população, é essencial à existência de uma nação e, conseqüentemente, inalienável componente do Estado. Para participar da vida social do Estado, é necessário, contudo, exercer sua cidadania. É certo que o homem, ainda no século XXI, é naturalmente feito para a sociedade política, conforme Aristóteles tão bem o definiu. A diferença existente entre o homem do tempo daquele grande filósofo e o da nossa atualidade é apenas a maior complexidade das relações políticas humanas, e da  máquina estatal e do excesso populacional, fatores que causam obstáculos ao exercício pleno da cidadania, havendo necessidade de não somente  reformar  pura e simplesmente as  instituições  políticas  já existentes,  mas  de criar  novos  mecanismos  , mais  poderosos e abrangentes , de uma fiscalização  política pela  sociedade.

 

A propósito, a explicação de Aristóteles:

 

 
 

                       A sociedade que se forma da reunião de várias vilas, constitui a Cidade que tem a capacidade de se suprir, estando organizada não somente para conservar sua existência, mas ainda para procurar o bem-estar. Essa sociedade é então, ela também, dentro dos princípios estabelecidos pela natureza, como todos os outros elementos que a compõem. Ora, a natureza de qualquer coisa é precisamente o seu fim. Assim, quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja – homem, cavalo, família -, diz-se que ele está na natureza. Por outro lado, a coisa que, pela mesma razão, ultrapassa as outras e se aproxima mais da meta proposta, deve ser olhada como a melhor. A meta à qual se propõe toda produção da natureza é bastar-se a si mesma e esse estado é também o mais perfeito. Também é evidente que toda Cidade faz parte da natureza, e que o homem foi naturalmente criado para a sociedade política. Aquele que por seu natural, e não por efeito do acaso, existisse sem nenhuma pátria, seria um indivíduo detestável muito abaixo ou muito acima do homem, segundo Homero:

                        Um ser sem lar, sem família e sem leis.

                       Aquele que fosse assim por sua natureza não respiraria senão a guerra, não sendo contido por nenhum freio, e, como um pássaro de rapina, estaria sempre pronto a arremeter-se sobre os outros.

                       O homem é também um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem juntos.” (In  “La Politique”,  Aristote, Editions Gonthier, p.15-16).

 

                                               Rousseau, por outro lado, entende ter havido um contrato social para que fossem estabelecidas normas de convivência entre os homens para obtenção de proteção mútua e bem-estar coletivo, donde teriam surgido os direitos políticos, necessários ao estado organizado.

                                               De qualquer sorte, o que existe atualmente é a impossibilidade do cidadão, com o sistema da democracia indireta por sufrágio, ter suficiente conhecimento sobre a vida pregressa dos seus representantes. Nesse sentido é que dão a eles, assim, com o seu voto, uma verdadeira procuração em branco, tendo-se em conta que, eleito, o candidato não se atém às promessas de campanha nem cumpre as metas para as quais foi eleito. E o cidadão, envolvido pela complexidade da vida no mundo moderno, vê-se afastado de sua natureza social, porque se alheia do exercício pleno da cidadania, contra a sua vontade. Por causa de circunstâncias contra as quais não pode, individualmente, opor resistência, quer por desconhecimento dos fatos, quer por falta de tempo, aceita a versão que lhes é apresentada dos fatos sem uma análise mais detalhada. E os seus concidadãos que lhe são próximos se encontram na mesma situação, havendo pouca ou nenhuma comunicação entre eles.

       

 

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E RELATIVISMO

 

                                               A partir da revolução industrial extinguiram-se as antigas corporações e associações de ofício iniciadas na Idade Média, que tinham força suficiente para impor suas reivindicações perante os soberanos. Pretenderam ser substituídas então por sindicatos profissionais, os quais não se demonstraram suficientemente capazes de um diálogo eficaz com o Poder Público em prol do interesse e bem-estar social, tendo sua força sido substituída pela dos grandes conglomerados da indústria e do comércio. Os demais setores da sociedade, sem órgãos que possam, em igualdade de condições, manter diálogo direto com os políticos e os centros de poder, viram-se relegados a um segundo plano no tocante à obtenção de benefícios políticos. Esses conglomerados empresariais tornam-se cada vez mais multinacionais. Ocorre fenômeno da relatividade, em que o seu interesse pessoal, dado à dimensão do mercado em que operam, os faz confundir com o interesse público o seu interesse particular, primordial, visando ou ao lucro (no capitalismo) ou à manutenção de seu poderio decisório e supremacia de classes (no comunismo e regimes autoritários). E nessa corrida para ganhar da concorrência e pelo afã de obter lucros e vantagens cada vez maiores para poderem manter as suas mega-estruturas e o seu poderio no seio da sociedade, atuam junto aos políticos ora pressionando-os, ora corrompendo-os, o que prejudica o interesse público no estado moderno.

                                               Como efeito dessa situação de diminuição dos laços de cidadania que ligam normalmente os componentes de uma mesma sociedade, surge então o relativismo. Ele é um conceito tão conhecido por nós – o homem, fechando-se cada vez mais em si mesmo, perde a noção do social e, contrariando sua natureza, vive com conceitos particulares sobre os assuntos mais imediatos de interesse de sua subsistência, ignorando que o destino do todo social é essencialmente importante até onde mantém o seu “status quo”. E diante de escândalos políticos e desvios de programas de interesse público não sabe mais como se adequar politicamente em seu contexto.               

 
 

                                               A organização política, não só no Brasil, necessita, sim, do estabelecimento de novos padrões, e não de reformas dos existentes: o grande desenvolvimento das ciências tecnológicas e o enorme progresso industrial ocorrido a partir do final do século XIX estabeleceram novas modalidades de comportamento dos setores particulares, alçados a um “status” macro, no interior de cada estado nacional, que sofre influências de além fronteiras, através do fenômeno da globalização econômica.

                                               Somos, por essa razão, a favor de uma tomada de consciência de que é necessário o estabelecimento de novos padrões de política que paralisem o progresso do relativismo social. Essa filosofia somente estará hábil a fluir, em um futuro próximo, em uma sociedade anômica, com um estado de beligerância existente nos tempos anteriores ao contrato social.Isto é, se houver  ausência de normas e regras de organização capazes do absorver relações do desenvolvimento científico e industrial, retornando-se à justiça privada e incrementando a agressividade, chegado ao caos social, sem previsão de grau ou durabilidade.

 

O ESTADO MODERNO E O LEVIATÃ

 

                                               Lendo-se “O Leviatã”, de Hobbes, onde ele examina o Commonwealth à luz das relações sociais, sob uma ótica filosófica racionalista, observamos que já no século XII se entendia que o Estado fora idealizado com o objetivo de alcançar a felicidade humana. Os direitos e obrigações que desde o início impunha aos cidadãos eram as condições para que se chegasse a uma proximidade da perfeição, mesmo com todos os seus defeitos. Embora o acúmulo de poder torne o Estado uma figura monstruosa, entende ele que a sua morte súbita seria o maior dos males para a sociedade civil, e, pior do que isso,   seria a sua  morte violenta .

                                                A máquina estatal, em todos os países, tornou-se complexa e morosa, não se desenvolveu: apenas cresceu, mas não se adaptou às novas realidades – talvez mesmo estejamos sob o signo do “Leviatã” em degenerescência, o monstro bíblico ao qual comparou Hobbes o governo a que se submetem os homens:

 

Conceituação artística de Hobbes, do ser artificial que denomina “Leviatã”, objeto de seu famoso livro,o qual ilustra. Este ser tem o corpo composto pelos cidadãos que representa. Daí as cabeças todas amontoadas surgindo de sua pele.


 

                                                “Expus até aqui a natureza do homem (cujo orgulho e outras paixões o obrigaram a submeter-se ao governo), juntamente com o grande poder de seu governante, ao qual comparei com o Leviatã, tirando essa comparação dos dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó, onde Deus, após ter estabelecido o grande poder do Leviatã, lhe chamou Rei dos Soberbos. Não há nada na Terra, disse Ele, que se lhe possa comparar. Ele é feito de maneira a nunca ter medo. Ele vê todas as coisas  abaixo dele, e é o Rei de todos os Filhos da Soberba.  Mas dado que é mortal, e sujeito à degenerescência , do mesmo modo que  todas as outras  criaturas terrenas, e dado que existe no céu (embora não na terra) algo de que ele deve ter medo, e a cuja lei deve obedecer, vou falar  no capítulo seguinte de suas doenças , e das causas de sua mortalidade; e de quais as leis de natureza a que  dever obedecer.” {In “Leviatã” ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil , Hobbes, trad. para o português de  João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, Ed. Victor Civita, 1ª.ed.,1974,capítulo XXVIII (in fine)}.

 

                                                           Jorge Forbes, psicanalista, participando do programa “Painel”, da TV News brasileira em junho de 2007, juntamente com outros estudiosos do fenômeno político atual, recordou que esse fenômeno de escândalos na máquina do governo, no Brasil, não é privilégio nosso, pois em outros estados nacionais eles também ocorrem, em maior ou menor grau. E de fato temos verificado isso, daquela época para cá, através dos inúmeros fatos noticiados, tanto nos Estados Unidos da América, quanto na Europa, na Ásia e na África.

 
 

                                                Estaríamos, segundo ele, passando de uma era para outra, em que os antigos padrões de comportamento e valores já não atendem mais às necessidades da sociedade, mas que esta ainda não encontrou os novos, que deverão levar em conta parâmetros já então globais, em que a representatividade política deva ser revista. A atual fundada na liderança, já está se demonstrando frágil, doentia, arrasada pela sucumbência dos indivíduos envolvidos com os poderes políticos incapazes de se mostrarem à altura dos reclamos atuais. E citou o Papa Bento XVI, que muito tem chamado a atenção para que se combata  a relatividade do mundo, conseqüência   da  perda de  padrões.

                                                De qualquer modo, nesse período que permeia a era que finda e a outra que está se aproximando, é necessária uma ponte para que a passagem se faça com relativa tranqüilidade, para evitar maiores prejuízos às gerações vindouras: para tanto se entende que o Terceiro Setor pode se organizar de forma a semear o embrião de uma futura forma de governo que atenda à necessária organização de uma sociedade, com elevado nível de desenvolvimento social e tecnológico.

 
 
 

                                               A corrupção é um fato que exige uma relação entre dois agentes para ser praticado, um em cada polo: no ativo, o corruptor, aquele que oferece ou promete vantagem indevida a um funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, e, no passivo, o corrompido, o funcionário público que aceita essa oferta ou a solicita, para si ou para outrem, em razão de sua função, direta ou indiretamente, ainda que fora dela, ou antes, de assumi-la. 

                                                O direito brasileiro considera a corrupção um crime e o Código Penal a classifica como crime contra a administração pública, separando aquela contida num dos pólos da outra: a corrupção passiva, ou de quem recebe a vantagem indevida está inserida no artigo 317, classificada como crime praticado por funcionário público contra a administração em geral; a corrupção ativa, ou de quem oferece ou promete a vantagem indevida está inserida no artigo 333, classificada como crime praticado por particular contra a administração em geral.

                                                Um aspecto interessante para a caracterização deste crime é que, para haver o crime de corrupção passiva, sempre é necessário haver corruptor e um corrompido, eis que se o funcionário público não aceita a oferta nem a pede, não pratica o crime, mas isso não prejudica a existência da corrupção ativa. Já, para existir a corrupção ativa, não é necessário que haja corrompido, basta que tenha sido feita oferta ou promessa da vantagem indevida, mesmo que não aceita.

 

CORRUPÇÃO E IMPERFEIÇÃO HUMANA

 
 

                                               Raymond Aron, analisando a corrupção nos regimes constitucionais pluralistas, também chamados democráticos, onde há um conflito permanente de idéias, interesses, de grupos e de pessoas, afirma ser muito difícil, na prática, as pessoas que representam cada um desses grupos terem a capacidade de estarem bem conscientes, ao mesmo tempo, sobre a distinção entre os interesses particulares de cada um e o interesse coletivo que devem servir. E, sendo assim, a distinção entre regimes sãos e outros corrompidos é apenas uma questão de gradação. Ele distingue entre corrupção do regime e corrupção pessoal.

                                                Neste estudo estaremos nos referindo à corrupção pessoal, aquela praticada pelo “conselheiro do príncipe”, ou funcionário público, e que funciona da seguinte maneira: toda política comporta problemas a resolver e as decisões devem resultar de uma análise da situação, que não consegue uma solução imperativa, mas indica um direcionamento mais favorável, pois cada uma das direções comporta vantagens e desvantagens mais favoráveis. Essa direção deve ser indicada por “aqueles que são encarregados de dizer aos políticos: eis aqui as soluções do problema“ e então ainda cabe ao político um outro dever, o de reunir em torno dessa solução mais favorável uma maioria parlamentar. E nesse conflito de interesses é que surgem as oportunidades da corrupção pessoal.

                                               Ronald Dworkin analisa ética política e igualitarismo político. Situando a visão dos liberais éticos, assim como vista pela teoria política de tradição contratualista. Invoca os argumentos de Rawls sobre justiça social, e indica a dificuldade de um negociador, ou político (que por essa teoria tem o dever de se mover pelos próprios interesses, ou daqueles que representa), de colocar esses interesses particulares acima do interesse coletivo e então poder agir sem ater-se a essa noção de justiça.Até porque tem como objetivo angariar para o setor que representa a maior maioria possível. Nesse  emaranhado de decisões é que se desenvolvem  os privilégios e a corrupção.

                                   Stephen Kanitz, por seu turno, analisa:
                                   “O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes brasileiros nada que os predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de desterrados portugueses.

                                   A Austrália, que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não somos nem mais nem menos corruptos que os japoneses, que a cada par de anos têm um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.”

 
 

                                                E continua ele:

                                   “Somos, sim, um país onde a corrupção, pública e privada são detectadas somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as que possuem o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Forum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos formar e treinar 160.000 auditores.”

                                   De todas essas análises podemos entender que a corrupção pessoal, assim como a corrupção de regime, não é inerente à natureza imperfeita do ser humano individual, mas pode surgir em determinada pessoa tendo-se em vista o seu próprio grau de imperfeição humana. Isto acontece quando um indivíduo, confrontado com seus interesses pessoais ou do grupo a que pertence , fica incapacitado de distinguir entre o que é de interesse privado e o que é de interesse coletivo. Então se deixa dominar pelo emaranhado das relações políticas e procura seguir a solução que entende ser mais fácil para si próprio dentro do contexto social a que pertence, procurando criar para si ou seus representados situações de privilégios políticos. Usa, para tanto, de todos os meios com o fim de obter maioria para suas decisões e permanecer no serviço público. É então que, sem perceber, inicia-se na prática da corrupção. Ele chega a ponto de não mais perceber a diferença entre uma atividade política sã e uma atividade política corrupta. Pode, em certos casos, dado o escalonamento quantitativo de partidários e partidos políticos assim envolvidos, prejudicar a própria governabilidade ou administração pública, em menor ou maior grau.

                                   Como se pode concluir da leitura das obras desses três grandes pensadores da atualidade, trata-se a corrupção de um fenômeno mundial. O que difere, entre cada regime político, quer em regime capitalista, quer comunista, é o grau em que está infiltrada, e se ela já atingiu um elevado grau de funcionários públicos, políticos e partidos políticos, ou se ela é incipiente. E, para cada caso há de ser indicada uma solução. Mas toda e qualquer solução sempre incorporará, necessariamente, uma eficaz fiscalização.

 

FISCALIZAÇÃO EM UMA DEMOCRACIA INDIRETA

 
 

                                               A corrupção se apresenta, atualmente, como um dos defeitos mais graves decorrentes da desorganização da máquina administrativa estatal, mas, a exemplo de Hobbes, também entendemos que o caso é de se criar mecanismos de controle, com diminuição razoável desse problema, e que isso se realize para serem evitados danos à própria instituição do Estado em si.

                                               A corrupção é um fenômeno mundial. Sendo assim, todas as administrações do mundo necessitam tomar suas providências de autocontrole. Por outro lado, a humanidade foi contemplada com a Internet, um mecanismo capaz de produzir informações a nível planetário, quase instantâneas, a respeito de qualquer irregularidade, em qualquer lugar. E as autoridades poderiam se utilizar dessa facilidade, para uma fiscalização, bem como a sociedade civil, compartilhando dados e disponibilizando-os.

                                                Todas as democracias existentes no mundo moderno são indiretas e pluralistas. Isto é, os cidadãos são representados por indivíduos que elegem por sufrágio para defender seus interesses junto à administração pública, indivíduos esses que fazem parte de partidos políticos, entidades reunidas por comunhão de interesses, devendo representar as soluções que os vários setores de uma sociedade entendem como melhores para o bem-estar público, acima dos interesses particulares.

                                                Mas, com o decorrer do tempo, tanto na Europa, como nos Estados Unidos e na América Latina, a democracia representativa vem-se demonstrando com pontos fracos, com brechas que podem levar ao autoritarismo, à demagogia e à corrupção, minando o interesse público. Em maior ou menor grau, em determinados assuntos, ou em geral.

                                                A solução encontrada pelos países onde ocorrem menores índices de corrupção não foi especificamente a maior ou menor punibilidade, mas uma eficaz fiscalização que possa indicar possíveis focos de sua ocorrência antes de sua efetivação e de que seus efeitos danosos se concretizem.

 

HÁ CORRUPÇÃO PESSOAL TAMBÉM NA DEMOCRACIA DIRETA, MAS É MAIS FÁCIL O SEU CONTROLE

 

                                                Sólon e Péricles, na Antiga Grécia, idealizaram a democracia. Em Atenas, governada por Péricles, ela foi implantada e exercida em plenitude, tendo sido uma experiência vitoriosa. Era a chamada democracia direta, no século V antes de Cristo. Foi grandiosa e só não durou mais, não porque apresentasse defeitos, mas porque a cidade foi invadida por Esparta, que destruiu a cidade e dizimou a população, e destruiu o sonho concretizado naquela pequena república, por causa de disputas por hegemonia, constantes entre os reinos gregos da época. Mas houve tempo suficiente para que ficasse comprovada a excelência do regime de governo e a supremacia da sociedade que reúne seus cidadãos para decidirem sobre o interesse público, servindo de exemplo bem sucedido para a nossa atual civilização.

                                                Assim como nas democracias modernas, na democracia direta de Atenas também havia corrupção - o ser humano, também naquela época, era imperfeito e refém de conflitos de interesse. Mas ela tinha um sistema onde havia concorrência simultânea de eleição, de administração e de fiscalização efetiva, adequado a prevenir e coibir as raízes desse mal.

POSSIBILIDADE OU NÃO DE RETORNO À DEMOCRACIA DIRETA

                                                O Brasil já teve a sua experiência de democracia direta com a Constituição de 1888.

                                               Edson Carvalho Vidigal, acompanhado de outros grandes juristas, entende que há possibilidade e conveniência de retorno à democracia direta, tendo-se em vista a existência, atualmente, de uma forma mais fácil de votar: o voto eletrônico.

 
 

                                                Mas há dificuldades em se retornar à democracia direta nos dias de hoje. A democracia direta  implica em que   cada indivíduo participe das  decisões políticas a serem tomadas, sem sufrágio ou representação.Para essa atividade o indivíduo deve ter  muito conhecimento sobre o país, a sociedade, os  seus problemas e ocasionais soluções. À época de Péricles, isso era possível porque a população era pequena cabia toda na Ágora, uma grande praça a céu aberto e, além do mais, a administração do estado, as relações da sociedade interna e externa e a economia eram relativamente simples.  Mas, até mesmo com uma pequena população não eram todos os que tinham direito ao exercício de voto - somente aqueles considerados capazes em razão do seu saber e pela maturidade moral e física tinham direito de compor a Bulé ou exercer o voto na Ágora.

                                               Os dois principais organismos que se reuniam na Ágora, eram a “Eclésia”, onde só podiam exercer o voto de cidadãos livres (pois havia escravidão) maiores de 30 anos e os que não fossem covardes, e a “Bulé”, ou Senado ou Conselho dos Quinhentos, composta por 500 membros, eleitos diretamente por voto popular, com mandato de 1 ano, os quais, além  de  elaborar os projetos de lei que  seriam votados pela   Eclésia, tinham a função de fiscalizar   se  os governantes estavam, efetivamente, cumprindo as  leis votadas.E  podiam destituir aqueles que  não estivessem cumprindo sua obrigação. Houve “Bulés” que se reuniam mais de 40 vezes por ano. Isso foi realmente muito eficaz, pois havia constante fiscalização popular do cumprimento das metas de governo, passo a passo.

                                               Em nossos dias é difícil cada membro mental ou moralmente válido de uma nação possuir todo o conhecimento necessário para o exercício pessoal de sua cidadania, como o faziam os antigos atenienses.Isto, não só por causa do tamanho da máquina administrativa e econômica do estado e das complexidades das relações sociais internas e externas, como também pela própria falta de tempo para tanto, dado à própria complexidade da vida privada de cada indivíduo. 

                                               Os atenienses possuíam a sua “Ágora” e nós possuímos a nossa “Internet” – a primeira era grande suficiente para comportar quinhentas pessoas da “Bulé” e quase toda a população, na “Eclésia”, e a segunda, suficiente para comportar a população toda de um Estado e até do mundo todo. Paralelos entre as duas realmente existem.

                                                Sim, com razão há paralelo entre a “Ágora” e a “Intenet” – mas esse paralelo somente se pode fazer no que diz respeito à rapidez de convocação e apresentação de pessoas e a imediata troca de informações e opiniões entre todas as classes sociais e de indivíduo para indivíduo, compartilhadamente. 

                                               Mas a qualidade de decisões é um ponto que não se pode considerar paralelo entre a “Ágora” e a “Internet”, tendo-se em vista a complexidade dos assuntos políticos, a extensão territorial e, a enorme população dos Estados modernos e a diversidade do grau de instrução das pessoas.  Além do mais, o “homem livre” da Grécia não era preso, como em nossos dias, a laços profissionais, podendo consagrar quase todo o seu tempo a reflexões, análises e discussões políticas. O que nós, atualmente, dada a complexidade das relações de trabalho e obrigações sociais, não possuímos.

                                               Outro argumento contrário à democracia direta em nossos dias é que, nos tempos antigos, quando ela foi vitoriosa, não havia essa relação conflituosa entre o indivíduo e o Estado que hoje presenciamos, pois na Grécia antiga o cidadão valorava sua democracia em relação ao bem que ele almejava e que o Estado efetivamente lhe concedia. Inexistia esse conflito de interesses entre o público e o coletivo. Era uma vida em que o conceito de cidadão se concretizava, dado o seu interesse muito voltado para a coisa pública. Não havia a necessidade de (ao contrário, como acontece atualmente) uma dedicação maior para cada vida particular, o que faz haver necessidade de representantes, que, estes sim, devem dedicar-se inteiramente à coisa pública, pela própria definição desse instituto e das leis que o regulamentam. 
                                                O voto eletrônico e a Internet, aliados ao florescente Terceiro Setor, são elementos muito importantes para maior participação individual na vida política do Estado. A excepcional mobilização e penetração da Internet, mesmo em locais muito remotos, com a congregação que os organismos não governamentais representa, poderá fazer emergir uma hibernante cidadania individual com a soma do entusiasmo geral e  fazendo com que em clubes   ou escolas de  cidadania emirja  essa  natural condição humana.

                                               Futuramente, o Terceiro Setor, devidamente regulamentado, congregando cidadãos em institutos ou clubes de estudos sociais aplicados e outras organizações não governamentais destinadas ao bem-estar da coletividade, de posse desses dois grandes elementos que a ciência do século XXI nos coloca às mãos (o voto eletrônico e a internet), poderá representar uma nova fórmula do exercício da cidadania. Fórmula essa que facilitará mais a escolha dos representantes no seio da própria comunidade, dentre indivíduos pessoalmente conhecidos, e por isso mesmo mais facilmente fiscalizável, modernizando a nossa democracia.

                                                Esta é a nossa contribuição para uma razoável análise das causas da corrupção humana e uma sugestão para o exercício de sua fiscalização. Como dissemos acima, entendemos, com Aristóteles, conforme ele nos lecionou há longo tempo,  que o homem é um animal civil e não pode permanecer  um longo espaço de tempo sem retornar a esta sua real e natural  condição  -  haverá sempre  uma saída,  uma idéia para resolver  o problema que  impede o seu desabrochar.

 

VEJA MAIS SOBRE O ASSUNTO:

Direito Natural e Político – monografia em nosso “site”, no “link” Ciências Jurídicas
Aristóteles, In La Politique, Ed. Gonthier, p.15-16

Aron, Raymond In   Démocratie et totalitarisme, Ed. Gallimard, 1965, Colléction Idées,p.168-186

Dworkin, Ronald In Ética Privada e Igualitarismo Político,Ed. Paidós,p.159-163

Hobbes, Thomas...de Malmesbury
    In LEVIATÃ ou Matéria,Forma e Poder de um Estado
    Eclesiástico e Civil, Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, para o
    português, Ed.Victor Civita, 1974, 1ª. ed.,cap.XXVIII (in fine).

Kanitz, Stephen  In    http://www.kanitz.com.br/veja/corrupcao.asp

Milhomens, Lia Pantoja, In Direito Natural e Político, “link” Ciências Jurídicas, dos
   “websites”      http://www.iejusa.org.br   e http://www.iejusa.com.br

Rousseau, Jean Jacques, In Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique,  
    ed.C.E.Vaughan,Manchester, 1947

Vidigal,Edson Carvalho  In: TEXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.).Direito eleitoral
    contemporâneo: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey,
    2003, p. 76-79.

 

 


 

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