A Chamada de Co-réu e a Nova Disciplina Legal do Interrogatório
1.
Quando da abordagem do tratamento conferido ao interrogatório do réu
através da Lei 10.792, de 1º de dezembro de 20031,
embora tenha estudado numerosos aspectos que o novo diploma legal emprestou
àquele relevante ato processual, não tive a oportunidade de examinar um ponto
especialmente delicado e que pode vir a suscitar dúvidas quando se faça
presente, tanto mais que não se cogita de hipótese de rara ocorrência. Refiro-me
ao caso em que haja dois (ou mais) acusados integrando o pólo passivo da relação
processual e que um deles venha a imputar a outro (ou a outros) a autoria da
infração penal.
Como se fará o
interrogatório?
É na busca de
uma solução para o impasse surgido que se tentará esboçar algumas considerações,
tendo em conta que, agora, o interrogatório fica sujeito ao contraditório,
deixando de ser, como antes, um mero diálogo havido entre o juiz e o réu.
2.
Como sabido, a partir da Lei 10.792/2003, foi determinada
a participação das partes (Ministério Público ou querelante e réu, os últimos
através de advogado) formulando perguntas ao imputado. As inovações vêm anotadas
no art. 188 do CPP, ao ditar que, quando o juiz der por encerrada a sua
participação no interrogatório, isto é, quando ele concluir suas perguntas,
ensejará às partes, acusação e defesa, que formulem as suas, se as entender
"pertinentes e relevantes".
Tal inovação
do legislador buscou encontrar compasso com o art. 212 do CPP, que versa a
respeito da inquirição das testemunhas, que, como o interrogatório, integra a
chamada prova oral. Da leitura do texto, percebe-se, com tranqüilidade, que fica
mantido o sistema presidencial, ou seja, que as perguntas das partes serão
requeridas ao juiz, que, se admiti-las, as formulará ao réu.
Infeliz, sem
sombra de dúvida, a observação contida ao final do art. 188 da lei processual
penal, porque ínsita ao sistema presidencial, segundo o qual o juiz só deferirá
as perguntas caso as entenda "pertinentes e relevantes". Adotou-se, de forma
imperfeita, o modelo cogitado para a prova testemunhal, no art. 212 do CPP, sem,
no entanto, assinalar, como acertadamente consta daquele dispositivo, que o juiz
não poderá recusar as perguntas da parte, salvo quando não tiverem relação com o
processo ou importarem repetição de outra já respondida. A fórmula do art. 212
do CPP é, não há negar, mais precisa, pois indica, expressamente, o que é
pertinente e, ou relevante, afastando o excessivo subjetivismo contido no art.
188. Faltou também registrar que, no termo respectivo, deverão constar a
pergunta formulada e a razão do seu indeferimento. Limitar-se-ia, assim, o
arbítrio judicial de forma mais precisa e adequada2 .
3.
Chega-se, agora, ao motivo do presente acréscimo ao estudo anterior3 .
Sabe-se que,
por força de lei (art. 191 do CPP), havendo mais de um réu, serão eles
interrogados separadamente, resguardando-se, desse modo, a pureza da prova.
Esta, por sinal, é uma regra posta em relevo, mais de uma vez, pela lei
processual (vide arts. 210 e 228 do CPP).
A questão que
se põe reside em saber se os defensores dos demais réus deverão atuar formulando
perguntas a cada acusado, participando, assim, do interrogatório.
Aqui, no
entanto, impõe-se fazer uma distinção.
O art. 185 do
CPP, no particular, faz alusão somente ao acusado e a seu defensor, constituído
ou nomeado, além do juiz, como é óbvio, como participantes do interrogatório; o
primeiro exercendo sua defesa material, ao passo que o segundo atuando por força
da inafastável defesa técnica.
Se
compulsarmos o Capítulo III, do Título VII, do Livro I do CPP, que se ocupa "da
Prova" (Título VII) e "Do Interrogatório do Acusado" (Capítulo III), veremos,
com facilidade, que os arts. 185 a 196 do CPP aludem, sempre, ao defensor do
acusado, quando fazem referência à defesa técnica. Usam a palavra defensor no
singular.
Pode-se
concluir daí que cada réu será interrogado, separadamente, na presença somente
de seu advogado, mesmo que, após a vigência da nova lei, vários sejam os
acusados.
4.
Mas a matéria não se apresenta de forma tão simples como parece neste
primeiro enfoque.
Caso o réu,
usando do direito a que se refere o art. 186 do CPP, permaneça calado, não
respondendo às perguntas que lhe forem formuladas, torna-se evidente que não
haverá qualquer problema, pois, como intuitivo, ele não poderá estar
incriminando eventual co-réu.
Porém, caso
ele, negando ou confessando a prática da infração penal, venha a delatar
qualquer outro acusado, que, com ele, esteja respondendo ao processo, surge um
fator complicador para o procedimento. Com efeito, assinala o art. 189 do CPP
que se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte, poderá "prestar
esclarecimentos e indicar provas". Ora, se assim é, dentre elas, eventualmente
far-se-ia presente a incriminação de co-réu.
Pode ainda
ocorrer que o imputado venha a confessar sua responsabilidade pelo crime, mas
que indique outras pessoas que concorreram para a infração penal e que estejam
incluídas no mesmo pólo passivo da relação jurídica processual. Em suma: que
sejam co-réus. A providência encontra-se, expressamente, contemplada no art.
190, parte final, da lei processual penal. Caso estas pessoas não sejam co-réus
no mesmo processo, deverá o juiz, para evitar o tumulto processual, proceder na
forma do art. 40 do CPP, embora, dependendo das circunstâncias, pudesse o
Ministério Público, desde logo, aditar a denúncia para incluí-las, se,
evidentemente, a delação envolvesse infração penal de ação pública
incondicionada. Seria hipótese de aditamento subjetivo da inicial. A providência
a ser tomada vai depender do caso concreto em função do estado do processo. É
medida de conveniência, ditada pelo bom senso, a escolha de uma ou outra via.
A experiência
está a ditar que, em tal circunstância, melhor será aguardar o seguimento do
processo, até porque a delação poderá ser destituída de fundamento, tendo como
único objetivo retardar o andamento do feito criminal, gerando, como já
mencionado, tumulto processual, para, ao empós, se for o caso, proceder na forma
do art. 40 do CPP.
Tal situação
processual, aliás, não caracteriza a chamada de co-réu, como comumente ocorre,
indicando, apenas, mera delação efetivada pelo acusado por ocasião da autodefesa
e que, se for o caso, será oportunamente objeto de apuração, até porque a pessoa
acusada como co-autora ou partícipe não integra a relação processual em que o
delator é réu.
Aqui, o
problema que vimos de examinar não requer maior análise, pois, no presente
estudo, estamos voltados para uma acusação em que já figuram no pólo passivo da
mesma relação processual dois (ou mais) réus.
5.
O chamamento de co-réu, também designado na doutrina como acusação de
concurso, nomeação
de sócio, delação ou chamamento de cúmplice, não mereceu regulamentação na lei
processual, deixando-se, assim, à doutrina e à jurisprudência fixar-lhe os
contornos em que deva ser valorado, tendo em conta o sistema da persuasão
racional adotado em nossa lei processual penal (art. 157 do CPP), bem como o
princípio da verdade processual.
Dessa maneira,
segundo ensinamento da doutrina, costuma-se exigir a concorrência de três
elementos para que a nomeação de sócio possa ser valorada de maneira influente
para o processo:
a) a confissão
do delator;
b)
inexistência de objetivo de vingança;
c) finalidade
de atenuar ou até mesmo eliminar sua responsabilidade pela prática criminosa.
Esta a communis opinio.
Não me parece,
data venia, que tais colocações encontradiças em grande parte da
doutrina possam merecer aceitação dogmática. No meu entendimento, não há
necessidade de que o réu confesse a prática da infração penal. Ele, segundo
penso, pode negar a responsabilidade pela conduta criminosa, atribuindo-a
somente ao co-réu.
Quanto às
demais exigências, isto é, a ausência de motivo subalterno (ódio, vingança,
cupidez ou outro assemelhado) para com o outro acusado, ou, ainda, a chamada
feita com a finalidade de escapar da condenação ou a de atenuar sua
responsabilidade, são colocações de ordem subjetiva a serem apreciadas pelo juiz
de acordo com a sua livre convicção (art. 157 do CPP).
Com efeito, o
art. 190 do CPP alude apenas à confissão do acusado, obrigando ao juiz indagar
se "outras pessoas" concorreram para a infração, e quais sejam. Porém, o aludido
dispositivo não pode ser dissociado de sistema de prova adotado em nossa lei
processual como também do princípio da verdade real, informador do nosso direito
positivo.
Aliás, no caso
de confissão, de nada valeria para o acusado a imputação de co-réu, pois, se
aceita a sua confissão pelo juiz, ele não se encontraria eximido de
responsabilidade pela prática criminosa.
É de ressaltar
que o próprio Código, ao versar sobre o interrogatório do réu, dispõe,
expressamente, no art. 187, parágrafo 2º, II a respeito da possibilidade de o
acusado, ao negar a acusação, indicar a pessoa ou pessoas a quem deva ser
imputada a prática do crime, e quais sejam.
Portanto,
mesmo à luz da lei processual, a chamada de co-réu pode dar-se quando o delator
negar a acusação.
Não obstante
isso, a doutrina, voltada, quero crer, somente para o disposto no art. 190 do
CPP, exige a confissão do delator. Nesse sentido, podem ser registradas as
opiniões ilustres de Tourinho4,
Fernando Capez5,
Polastri6 e
outras vozes de igual valor que preceituam que o chamamento de co-réu exige a
confissão do delator.
Na doutrina
estrangeira, Florian7,
em seu clássico Tratado, analisa a vexata quaestio, mostrando a
antiga divergência a respeito do assunto.
6.
Colocadas tais premissas, pode-se, no momento, esboçar algumas colocações
básicas para que se
possa aferir o valor da delação em função do novo tratamento legislativo que o
interrogatório passou exibir a partir do advento da Lei 10.792, de 1º de
dezembro de 2003.
Para tanto,
torna-se necessário que se faça uma apreciação prévia da expressão "chamada de
co-réu", bem assim se ela apresenta algum valor probatório, pois do contrário
torna-se destituída de sentido qualquer discussão que o tema possa merecer.
7.
Deve-se, mais uma vez, a Tornaghi8, em
um dos seus muitos momentos de grande inspiração, a correta observação que
faz a propósito da expressão chamamento de co-réu, tão consagrada por toda a
doutrina. Na realidade, como salienta o notável Mestre trata-se do uso impróprio
feito pelos escritores de uma expressão originária do processo civil, pois, na
verdade, aqui, no processo penal, não há qualquer chamamento, já que o
chamamento à autoria nada mais é que uma modalidade de intervenção de terceiros,
necessária para fixar os limites subjetivos da coisa julgada.
8.
Qual então o valor, como prova, da chamada de co-réu?
Tourinho9 fustiga
de forma veemente o seu valor, partindo do princípio de que ela não passa pelo
crivo do contraditório. É certo que o eminente processualista, na edição que
tenho em meu poder de seu clássico Processo Penal (25ª, de 2003), não
focaliza ainda o assunto voltado para a regência a que o interrogatório ficou
submetido a partir da Lei 10.792/2003, agora sujeito a nova disciplina, que
atende aos seus anseios.
Polastri10,
escrevendo antes da vigência da Lei 10.792/2003, não assume posição tão radical,
assinalando que a chamada de co-réu, desde que ratificada por outras provas
colhidas sob o crivo do contraditório, "é elemento válido para embasar o
convencimento judicial".
Quero deixar
claro que, mesmo antes da vigência da nova lei, sempre considerei a chamada de
co-réu como indício, seguindo os critérios pelos quais devem ser valorados
aquele meio de prova (art. 239 do CPP). Ele pode ou não encontrar ressonância no
conjunto probatório, cabendo ao juiz emprestar-lhe o valor que entenda cabível
diante do caso concreto, segundo o sistema da persuasão racional consagrado na
lei (art. 157 do CPP).
9.
E agora, com a nova lei, como fica a questão?
Já ressaltara,
em trabalho anterior11, que
o interrogatório diante do atual regime a que ficou submetido adquiriu novamente
um nítido colorido de meio de prova, sem deixar de constituir o mais
significativo ato de defesa material. No entanto, sempre assinalei que o
thema apresentava mais interesse acadêmico que valor prático, pois, de
acordo com o sistema do livre convencimento adotado em nossa lei processual
(art. 157 do CPP) caberia ao juiz dar ao ato o valor que ele devesse merecer na
hipótese em exame, motivando sua decisão.
Vale o
registro de que, por força da Lei 10.792/2003, o assunto, agora, apresenta algum
interesse prático pelo menos para a ordem a ser observada quando da formulação
das perguntas ao réu pelas partes. Explico-me melhor, através da análise da
matéria que empreendi em estudo específico sobre o assunto12
:
"18.3. Qual a ordem das
perguntas?
Quem, após o juiz, pode
formular indagação ao réu, uma vez mantido o sistema presidencial?
A natureza
jurídica do ato seria o parâmetro definidor da ordem a ser seguida na
apresentação das perguntas. Se ato de defesa, esta teria primazia; se meio de
prova, a acusação ganharia precedência. Como, com a nova lei, reabriu-se a velha
discussão, agora revestindo não somente interesse acadêmico, em função de
permitir-se a participação das partes no interrogatório, entendo que deva ser
seguida a ordem que mais favorece a defesa, deixando-se para ela a faculdade de
perguntar por último.
Porém, a lei
deveria ter disciplinado a matéria, evitando futura disputa doutrinária e
jurisprudencial."
Uma coisa é certa: agora não mais se poderá negar valor como
meio de prova ao interrogatório do imputado, pois ele encontra-se sujeito ao
crivo do contraditório.
Quando houver um só acusado ou ainda mesmo quando presentes
dois ou mais réus, inocorrendo a chamada, penso que não se fará presente
qualquer motivo de perplexidade. O acusado será interrogado pelo juiz e
perguntado pelas partes (acusação e defesa técnica), estando perfeito e acabado
o ato do interrogatório.
O problema surge quando houver a chamada, isto é, o acusado,
negando ou confessando a prática da infração penal, vem a inculpar co-réu.
Como posto em relevo (3, supra), o acusado, agora
também acusador, é interrogado separadamente na presença de seu advogado. No
entanto, com a chamada, vem a delatar co-réu, cuja defesa não participou do
interrogatório respectivo, não tendo assim oportunidade de formular perguntas ao
autor do chamamento.
Ora, a chamada de co-réu pode acarretar alteração no panorama
probatório, com eventuais reflexos para o acusado que não participou da colheita
daquela prova que, em tese, lhe pode trazer gravame.
Como resolver o impasse?
As "Mesas de Processo Penal da USP", através da Súmula de nº.
65, conferiram à delação o valor de prova testemunhal na parte referente à
imputação, admitindo reperguntas por parte de delatado13 .
Parece-me, em
tal situação, necessário que o interrogatório do delator terá que ser renovado,
para que se renda ensejo a que a defesa técnica do delatado venha, caso deseje,
a ofertar perguntas. Há, porém, uma limitação: a indagação deverá cingir-se
somente à imputação feita pelo delator, já que os demais fatos constantes do
interrogatório do delator não dizem respeito ao delatado. Caberá, assim, ao juiz
limitar as perguntas somente ao fato motivador do chamamento.
Na verdade, se
fará um novo interrogatório do delator, de que participarão o juiz, a acusação e
as defesas técnicas do delator e do delatado. Caberá ao juiz reperguntar por
primeiro, seguindo-se a acusação e, por fim, a defesa do delator e a do
delatado. Repito: este novo interrogatório deverá ater-se somente à imputação
que motivou o chamamento.
Há um ponto em
que, com o devido respeito, me afasto da posição assumida pela Súmula de nº. 65
das "Mesas de Processo Penal da USP". Tal se dá quando conferem o valor de prova
testemunhal à palavra do delator na parte referente à imputação. A razão do
ousio reside no fato de que a testemunha é terceiro imparcial que vai a juízo
depor a respeito de fato objeto da acusação ou que, eventualmente, como ocorre
no caso de testemunha instrumental ou instrumentária, comparece, apenas, com a
finalidade de atestar a validade de um ato, como, por exemplo, acontece na
hipótese contemplada no art. 226, IV do CPP.
Ora, o réu, ao
contrário, é parte no processo e, como tal, sujeito parcial da demanda, havendo,
dessa forma, distinção ontológica nas situações processuais dos dois personagens
do processo: réu e testemunha.
Já assinalei
que, mesmo antes da vigência da Lei 10.792/2003, entendia que a chamada de
co-réu apresentava valor como meio de prova, subsistindo sempre como indício
(art. 239 do CPP), a ser apreciado pelo juiz no momento oportuno de acordo com a
sua livre convicção (art. 157 do CPP).
Li, em algum
lugar, que os indícios são "testemunhas mudas" que apontam para o possível autor
do fato criminoso. No manejo dos indícios, não se pode contestar, o juiz deve
operar com extremo cuidado, mas a cautela redobrada não deve ser motivo para que
eles possam merecer excomunhão. Não se pode esquecer que o indício é meio de
prova previsto em lei (consta do Título VII, do Livro I, do CPP, que se ocupa
"Da Prova"). Por tal razão seu valor, em tese, em nada difere daquele atribuído
às chamadas provas diretas.
Na atualidade,
diante da nova legislação, não haverá, sequer, necessidade de considerar a
delação somente como prova indiciária e muito menos como prova testemunhal, como
entendem as "Mesas de Processo Penal da USP".
Com efeito,
seu valor decorrerá do próprio interrogatório do réu (delator), que voltou a
assumir um caráter misto, ou seja: meio de prova (Capítulo III do Título VII, do
Livro I, arts. 185 a 196 do CPP) e, ao mesmo tempo, ato de autodefesa ou defesa
material (arts. 185, § 2º e 186, parágrafo único, ambos, do CPP).
Este o valor
probatório que o chamamento deverá assumir, desde que também submetido às
perguntas por parte da defesa técnica do delatado na parte em que se relacione
com a imputação.
10.
Todas as considerações aqui feitas referem-se, evidentemente, ao
interrogatório judicial (art. 185 a 196 do CPP), não guardando qualquer
relação com a ouvida do indiciado na fase do inquérito policial (art. 6º, V do
CPP). Esta, juntamente com outras providências indicadas nos arts. 6º e 7º do
CPP, servirá apenas de suporte fático para o ajuizamento da ação penal, dado o
caráter inquisitivo daquela peça de informação ordinária.
11.
Outra observação que se impõe fazer está voltada para a acareação dos
co-réus (art. 229 do
CPP). Entendo que, persistindo a divergência entre delator e delatado, após a
realização das reperguntas a respeito da imputação, impossível será a acareação
entre os acusados, embora prevista expressamente no art. 229 do CPP.
É que o
interrogatório, por força da Constituição Federal e do próprio Código de
Processo Penal, não perde seu valor como ato de defesa material, tendo o acusado
direito ao silêncio (art. 5º, LXIII da CF), que não importará em confissão nem
poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186, parágrafo único, do
CPP). Aliás, o acusado pode até mentir sem que de tal atitude lhe advenha
qualquer conseqüência penal, pois o crime contra a administração da justiça
previsto no art. 342 do CP só pode ter como sujeito ativo a testemunha, o
perito, o contador, o tradutor e o intérprete, jamais o réu. É lhe vedada, isto
sim, a prática da auto-acusação falsa, envolvendo crime inexistente ou praticado
por outrem (art. 341 do CPP), pela simples razão de que ao Estado somente
interessa punir o verdadeiro culpado. Dessa maneira, a regra do art. 229 do CPP,
no que respeita à acareação entre réus, não se viu recepcionada pela nova ordem
constitucional.
12.
Estendi-me, talvez, além do que pretendia na complementação do meu estudo
anterior a respeito do novo tratamento legislativo que o interrogatório
judicial veio a merecer por parte de Lei 10.792/2003.
É que sendo a
lei bastante incompleta, deixando de abordar várias questões que não poderiam
restar no olvido, acaba por obrigar o intérprete a realizar uma análise mais
aprofundada a respeito de quase todo aquele diploma legislativo.
NOTAS DE RODAPÉ
1 "O novo regime legal
do interrogatório", in Revista da EMERJ, v. 8, nº. 30, 2005, p.
62 e seguintes.
2 Ob. cit. em o nº. 1 destas notas
de rodapé.
3 Ob. cit.
em o nº. 1 destas notas de rodapé.
4
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. III, p. 276 e
seguintes, São Paulo: Editora Saraiva, 25ª edição, 2003.
5
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 309. São Paulo: Editora
Saraiva, 11ª edição, 2004.
6 LIMA, Marcellus
Polastri. A Prova Penal, p. 122. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2002.
7
FLORIAN, Eugenio. Delle Prove Penali,
v. II, p. 36. Milano: Casa Editrice Dottor Francesco Villardi, 1924.
Com efeito, em
passagem constante de nota de rodapé, registra
Florian, um dos maiores tratadistas
que versou a respeito da prova penal: "Anche la questione se commetta
calunnia l'imputato, il quale incolpi alti altri, che conosca innocente, del
reato a lui ascritto, per esimerne sè medesimo, è antica e controversa."
8 TORNAGHI, Helio. Instituições de
Processo Penal, v. IV, p.36. Rio de Janeiro: Saraiva, 1978.
9 Apud
op. cit. em o nº. 4 dessas notas de rodapé. Em prol de sua opinião, traz
à colação o pensamento de copiosa e respeitabilíssima doutrina nacional e
estrangeira. Assim: Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Carmignani,
Malatesta, Mittermayer, Manzini e Ada Pellegrini Grinover, todos fazendo
sérias reservas à delação como meio de prova.
10 Ob.
cit. em o nº. 6 destas notas de rodapé.
11
Ob. cit.
em o nº. 1 destas notas de rodapé.
12 Ob.
cit. em o nº. 1 destas notas de rodapé.
13
Apud op. cit. em o nº. 5 destas notas
de rodapé. |