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DIREITO DO CONSUMIDOR: DOUTRINA

28 de Julho de 2009

O TRIBUTO E O SEU TRATAMENTO NO NOVO REGIME JURÍDICO DA INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL

SUMÁRIO Introdução. 1. O direito tributário e suas características. 1.1. O objeto do direito tributário 2. O poder soberano do Estado. 3. O sistema tributário nacional. 3.1. A repartição da competência tributária. 4. Os princípios constitucionais tributários. 4.1. A capacidade contributiva. 4.2. A legalidade formal e material da tributação. 4.3. A não-surpresa do contribuinte. 4.4. A irretroatividade tributária. 4.5. A igualdade. 5. O tributo. 5.1. O conceito. 5.2. O tributo como norma jurídica. 6. O novo regime jurídico da insolvência mercantil. 6.1. O tributo como fundamento do requerimento de falência. 6.2. Os efeitos da falência sobre o crédito tributário. 6.3. O crédito tributário e o quadro geral de credores. 6.4. A reabilitação do falido e a existência de débito tributário. Conclusões. Referências bibliográficas.

Introdução

          Havia uma enorme expectativa da comunidade jurídica em relação à nova lei de recuperação de empresa e falência, que então se avizinhava com a tramitação do projeto de lei 4.376/1993, da Câmara dos Deputados, e que hoje se vê concretizada com o advento da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Logo se percebeu que de nada adiantaria uma alteração no sistema falimentar sem a necessária reformulação do regime tributário, eis que a aproximação desses dois ramos do direito é cada vez mais intensa, sendo necessário gizar que grande parte das alcunhadas reengenharias tributárias dependem de uma funda visão empresarial, sobretudo societária, e vice-versa, ou seja, planejamentos societários não podem olvidar do aspecto tributário.

          Consequentemente, tramitaram no mesmo pé dois projetos: um, revogando o então D.L. 7.661/1945, enquanto o outro alterava alguns dispositivos do Código Tributário Nacional[1]. A dualidade se justificou na medida em que a Lei de Falências era ordinária, enquanto o Código Tributário havia sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar.

          Nessa trilha, as linhas que seguem buscarão perquirir os principais efeitos desse novo regime para o direito tributário, desde a controvertida legitimidade do fisco para requerer a falência, até a necessidade de apresentação das certidões negativas de débito para o processo de reabilitação do falido, passando pela classificação do crédito tributário no quadro geral e pelo juízo universal, em relação às execuções fiscais.

          Não se pode deixar de lançar-mão, entretanto, como intróito, de um estudo mais elaborado sobre o tributo, principal elo de ligação entre os dois regimes, tributário e falimentar.


1. ‘O direito tributário e suas características
          O direito, como cediço, ainda que uno, pode ser idealizado em diversos ramos, conforme o respectivo objeto e finalidades a serem alcançadas. Nada obstante, não menos certo é frisar que a citada ramificação não é estanque, eis que a separação consagrada tem muito mais serventia propedêutica do que prática, dada à interdependência das inúmeras disciplinas jurídicas.

          Logo, desde o pórtico, convém traçar as linhas distintivas do direito tributário a partir do exame de suas características, para só então direcionar atenção para o cerne do artigo. Conta-se, felizmente, nesse início, com as irretocáveis lições do professor GERALDO ATABILA, para quem o “direito tributário objetivo é o conjunto de normas jurídicas que regula a tributação, entendendo-se por tributação a ação estatal de tributar[2].

O direito tributário como ramo de direito público
          Muitíssimo criticada a classificação ainda utilizada entre nós, em que se concebe o direito em dois grandes blocos: direito privado e direito público. De qualquer sorte, para entender melhor tal classificação, três critérios devem nortear o exegeta: o da característica do titular do direito regulado; o da natureza do interesse protegido; bem como o da natureza dos efeitos da norma.

          Dentro do primeiro critério, considerar-se-á de direito público o ramo do direito cujo titular seja o Estado. Já pelo segundo critério, será direito público quando o interesse envolvido pela norma for predominantemente do próprio Estado ou da coletividade. O último critério, considerado como ponto chave, afirma que o ramo será de direito público se suas normas forem cogentes, compulsórias, obrigando ou proibindo que se faça alguma coisa. Por todos eles, notadamente, o direito tributário deve ser considerado como um ramo de direito público.

O direito tributário como um ordenamento de direito obrigacional
          Quanto ao seu objeto, o ordenamento jurídico pode ser divido em: direito das coisas; das pessoas; e das obrigações.

          A considerar que o direito obrigacional é aquele que regula situações de caráter patrimonial entre duas ou mais pessoas, envolvendo prestações jurídicas, chega-se à inequívoca conclusão de que o direito tributário também é obrigacional.

          Deve-se atentar, no entanto, para as peculiaridades do direito tributário, quais sejam: a obrigação tributária tem como fonte a lei em seu sentido formal; a relação é formada por no mínimo duas pessoas, o sujeito ativo tributário e o sujeito passivo tributário; uma vez realizada a prestação, extingue-se a relação tributária.

1.1.      O objeto do direito tributário
          Alguns autores afirmam que o direito tributário tem por escopo regular uma parcela da atividade financeira do Estado. Não está de todo errada aquela assertiva, pois ao lado de tantas outras atividades econômicas exercidas pelo Estado está o de receber os Tributos. Mais acertada, porém, a visão daqueles que consideram o direito tributário como o ramo que “regula e restringe o poder do Estado de exigir tributos e regula os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente[3]”.

          Em outras palavras, direito tributário é aquele que se ocupa em regulamentar a relação jurídica entre o Estado e o contribuinte, isto é, o que tem por objeto a relação jurídico-tributária.

          Com fundamento na referida orientação, deve-se afastar como terminologia desse ramo do direito, expressões como “direito fiscal”, “direito do imposto” ou “direito financeiro”.

          “Direito fiscal”, embora ainda utilizado em alguns países como Argentina e Espanha, não exprime com exatidão a grandeza desse ramo, pois vende a falsa impressão de que o direito pertence ao fisco. A terminologia “direito financeiro” também não acena para a realidade, na medida em que o direito tributário concentra-se na relação jurídica tributária e não em toda a atividade de arrecadação pelo Estado. Por fim, não menos imprópria a expressão “direito do imposto”, vez que no Brasil o imposto é apenas uma das espécies de tributos existentes.

          Portanto, faço eco à afirmação sempre forte do professor BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, a saber:
A denominação “direito tributário” oferece a idéia de um direito relativo a tributos, vocábulo gênero que compreende diversas espécies [...]. Trata-se de um nome estabelecido pela dogmática italiana, hoje adotado pela maioria dos doutrinadores e em inúmeros ordenamentos jurídicos.

          [...] Tal ramo do direito se interessa pelo tributo como objeto da relação jurídica, consequentemente, a expressão “direito tributário” é a mais indicada para denominar a disciplina em questão[4].

          Tem-se, dessa forma, como incensurável o conceito formulado pelo professor HUGO DE BRITO MACHADO:
Direito tributário como ramo do direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder[5].

2. O poder soberano do Estado
          O Estado é uma criação do próprio homem como peça fundamental para a vida em sociedade, pois sem ele todos estariam relegados a uma vida de insegurança. Para se viver em sociedade precisa-se de uma instituição grandiosa, dotada de poder suficiente para ditar as regras de conduta. Conforme já advertia THOMAS HOBBES:
Apesar das leis de natureza [...], se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros[6].

          O poder a que se refere o autor se exprime na soberania estatal, que pode ser considerada tanto um instrumento colocado à disposição do Estado para impor sua vontade, como um fim a ser alcançado.

          A soberania é uma das noções chave de todo o pensamento jurídico-político moderno, consolidada a partir do século XVI como elemento essencial do processo de centralização do poder político que dá vida ao Estado moderno, não está submetido a nenhum outro, isto é, está desvinculado de quaisquer outras normas. Não existe, portanto, na órbita interna, nenhum outro poder igual ou superior.

          A soberania é o grau máximo do Poder do Estado e tem como características ser um poder originário, exclusivo, incondicionado, uno, coativo e perene.

          É originário por não ser decorrente de nenhum outro. Exclusivo, pois pertence somente ao próprio Estado. Incondicionado, já que não encontra limite em nenhum outro poder. Uno, na medida em que é inconcebível a existência de duas soberanias. Coativo, porque o Estado pode impor sua vontade pela sua força. Perene, já que sua existência está ligada diretamente à formação do Estado.

          O poder soberano é concedido ao Estado pelo povo e é dele que se depreende a faculdade do Estado de criar os tributos, como principal meio para financiar os altos custos da atividade estatal, pois “sempre que existam comunidades que tenham de satisfazer necessidades próprias, existirão também métodos para fazer com que seus membros prestem sua contribuição material para satisfação dessas necessidades comuns[7]”. Resta válida, insista-se, a advertência de que a soberania é conferida senão ao Estado enquanto poder constituinte.

          Em outras palavras, o Estado, no exercício do poder derivado, também está submetido ao ordenamento jurídico por Ele estabelecido enquanto poder constituinte. Dessa forma, é por meio da Constituição que se institui o poder de tributar, originalmente uno por ser decorrente da vontade do povo, mas repartido entre as pessoas políticas de direito público, dotadas de poder legislativo, que fazem parte da federação. Não é outra a visão do professor GERALDO ATALIBA:
Antigamente, quando não se podia falar em Estado de direito, o político usava o poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o Estado. [...]. Hoje, o Estado exerce esse poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas as suas manifestações, ao estabelecido na lei[8].

          A todo esse poder de criar tributos, penetrando no patrimônio particular dos indivíduos, denomina-se, também, de poder fiscal, cujos fundamentos várias teorias procuram justificar.

          Muito festejada a teoria denominada de contrato social. Segundo explica: os homens que viviam em Estado de natureza, ao se associarem, abrem mão de certos direitos em prol da coletividade, com o objetivo, senão outro, de verem respeitados seus interesses, uns pelos outros. Firmariam, assim, um contrato, pelo qual os indivíduos formariam um só corpo. A contundente crítica que pesa sobre essa teoria é o fato de que nem todos os indivíduos contribuem para a formação do Estado, já que deixam de pagar tributos.

          De outro ponto, a teoria absoluta do Estado sustenta que o dever do indivíduo em contribuir para a formação do Estado através do pagamento de tributos se explica pela própria sujeição dele ao poder soberano.

          Acerca da importância do princípio constitucional da soberania nacional, lapidar a precisa colocação do professor e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, EROS ROBERTO GRAU:
          O primeiro dos princípios anunciados, entre aqueles a serem observados, de modo que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, realize o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, é o da soberania nacional (art. 170, I). Trata-se, aí, de princípio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumental e como objetivo específico a ser alcançado[9].

          Vê-se que o poder fiscal é anterior à obrigação tributária, pois se manifesta na faculdade de criar normas jurídicas instituidoras de tributos. Destarte, o poder fiscal esgota-se na função legislativa. Nota-se, assim, que o vínculo nascido a partir da existência do fato gerador é de cunho obrigacional, não se devendo, adverte GERALDO ATALIBA confundir o titular da competência tributária e o sujeito ativo do crédito tributário. Veja-se:
Sujeito ativo é, em regra, a pessoa constitucional titular da competência tributária. Nestes casos [...], a lei não precisa ser expressa na designação do sujeito ativo. Se nada disser, entende-se que o sujeito ativo é a pessoa titular da competência tributária. [...].

          Se, entretanto, a lei quiser atribuir a titularidade da exigibilidade de um tributo a outra pessoa que não a competente para instituí-lo, deverá ser expressa, designando-a explicitamente; na maioria das vezes assim se configura a parafiscalidade[10].

3. O sistema tributário nacional
          O sistema[11] tributário nacional, como conjunto organizado de partes relacionadas entre si de forma interdependentes, no Brasil, só pode assim ser considerado a partir da emenda constitucional de n. 18 de 1965. É importante asseverar que, nesta época, as condições políticas do país exigiam uma hipertrofia do poder da União em detrimento dos poderes regionais e locais.

Com efeito, perfeita a abordagem do professor BARACHO na sua premiada monografia:
          No Brasil, é manifesto o declínio da ordem federativa, consideravelmente precipitado, do ponto de vista jurídico formal, pelos constituintes que, em 46, 67 e 69, amesquinharam grandemente o espaço autônomo reservado à competência das unidades participantes, do mesmo passo que agigantavam a União e a autoridade constitucional do Presidente da República[12].

          Tal declínio se deve à injusta repartição do poder de tributar fixado nos sistemas da época e, cuja deficiência, se procurava resolver através da Carta Constitucional de 1988, consoante observado pelo professor BERNARDO RIBEIRO DE MORAES:
          Foi nesse ambiente conjuntural de extrema complexidade, preocupante para o Brasil, que a Constituinte foi convocada, tendo por encargo dar ao nosso país uma nova Constituição e, com esta, um novo sistema tributário.

          Nos trabalhos iniciais da Constituinte havia, desde logo, um consenso generalizado sobre certas direções a serem seguidas pelo novo sistema tributário. [...]: descentralização e fortalecimento da autonomia dos Estados e dos Municípios; atenuação dos desequilíbrios regionais do país; maior justiça fiscal e proteção ao contribuinte; simplificação da tributação (...)[13].

          Embora plenamente cientes do grave problema decorrente do irrealista sistema abraçado pelos ordenamentos anteriores, os Constituintes não conseguiram atingir o fim colimado, registrando-se apenas uma pequena melhora no que diz respeito à participação dos Estados e dos Municípios na arrecadação federal.

          O sistema tributário nacional consagrado na Constituição de 1988[14] alicerçou-se em alguns pontos que merecem destaque.

          O primeiro ponto agasalhado foi considerar a expressão tributo como gênero do qual são espécies os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Também ganha relevo o fato de ter transformado em princípio constitucional a capacidade contributiva do contribuinte e o caráter pessoal dos impostos. Por fim, também definiu com precisão o campo reservado à legislação complementar tributária, dando ênfase aos princípios constitucionais tributários que devem ser respeitados pelo legislador infraconstitucional, como princípio-norma de eficácia plena que refletem, em verdade, direitos e garantias individuais já abraçados pelo Constituinte.

          O arcabouço tributário constitucional é completado pelo Código Tributário Nacional[15], recepcionado pela Carta Magna como lei complementar ratione materiae, cuja importância é inquestionável, mas que demanda uma releitura, sobretudo em virtude das alterações vivenciadas a partir, inclusive, de 1988.

3.1. A repartição da competência tributária
          Conforme asseverado no início, o poder de tributar, como expressão da soberania estatal e, portanto, da vontade do povo, é uno. No entanto, é através da Constituição que ele se divide entre as pessoas de direito público que formam a federação, no caso do Brasil, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

          No que toca à repartição dessa competência, não se pode deixar de lado a divisão constitucional do gênero tributo. Isto porque a Constituição facultou a todos aqueles entes políticos a possibilidade de criar taxas em virtude do exercício regular do poder de polícia e da prestação de serviços divisíveis e específicos, bem assim de instituir contribuições de melhoria decorrentes de obras públicas que levarem a efeito.

          Diante desse contexto, é fácil aferir que tanto nas taxas como nas contribuições de melhoria não há espaço para dúvidas: a competência é comum. Desde que a pessoa de direito público, dentro de suas atribuições, preste um serviço divisível e específico ou realize um ato regular de poder de polícia, poderá instituir a taxa respectiva. Da igual maneira, em relação às obras públicas, no que toca às contribuições de melhoria.

          A repartição da competência para instituir os impostos é mais complexa. É que, neste caso, a competência para instituí-los é privativa e discriminada, como consectário lógico da opção constitucional de nominar, individualmente, todos eles, e atribuindo, em todos os casos, qual o ente político com poderes para instituí-los.

Em brilhante síntese, o professor SACHA CALMON, acompanhado pelas lições do professor GERALDO ATALIBA[16], resumiu o hercúleo trabalho Constituinte:
          Prosseguindo, de ver agora porque, adotando as técnicas da competência privativa e comum e ligando-as às inspirações da teoria dos fatos geradores vinculados e não-vinculados, pôde o Constituinte equacionar a repartição das competências entre as pessoas políticas, segregando as respectivas áreas econômicas de imposição, de modo a evitar conflitos de competências ou superposições competenciais em detrimento dos contribuintes e dos próprios entes tributantes[17].

          É de bom alvitre consignar, que me perfilho aos sequazes do professor SACHA CALMON no que toca à redução dos empréstimos compulsórios e das contribuições parafiscais à tricotomia acima esposada[18].

          Os empréstimos compulsórios, embora restituíveis, analisados os seus fatos geradores, invariavelmente são impostos. Já as contribuições parafiscais, conquanto não estejam relacionadas a uma prestação divisível e específica, também o serão, inobstante a finalidade específica de suas receitas. Por fim, as contribuições previdenciárias, dado o seu caráter sinalagmático, enquadram-se como contribuições em espécie.

          O último ponto a ser analisado nesse tópico diz respeito à necessidade de se evitar confusão entre a repartição do poder de tributar e a repartição da receita tributária. Sobre o tema, trazendo como exemplo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sintetizou o professor HUGO DE BRITO MACHADO:
          A distribuição da receita não afeta a competência. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público não deixam, por isto, de pertencer à competência legislativa daquela a quem tenham sido atribuídos (CTN, art. 6º, parágrafo único)[19].

4. Os princípios constitucionais tributários
          A nova Ordem Constitucional edificada em 1988, analisada apenas sob a perspectiva do sistema tributário nacional, estruturou-se com fincas em sólidos princípios jurídicos, estampados nos artigos 145/152, cujo objetivo é a regulação do poder de instituir tributos, como também das próprias relações jurídicas tributárias. Há que se atentar, no entanto, que quase todos nada mais são do que reflexos daqueles princípios já consagrados no artigo 5º da Constituição Federal, ou seja, são retratos dos direitos e garantias individuais, como igualdade, dignidade da pessoa humana, propriedade, liberdade, dentre outros.

O professor SACHA CALMON brinda-nos mais uma vez com a sua clarividente síntese sobre a efetividade dos princípios constitucionais em sede tributária:
          O que caracteriza os princípios é que não estabelecem um compromisso específico, mas uma meta, um padrão. Tampouco exigem condições para que se apliquem. Antes enunciam uma razão para interpretação dos casos. Servem, outrossim, com pauta para interpretação das leis, a elas se sobrepondo[20].

Nesta maré, precisa, como de hábito, a visão do professor HUGO DE BRITO MACHADO:
          Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte[21].

          A considerar, por um lado, que foge ao desígnio desse artigo o estudo pormenorizado desses princípios, passa-se a análise, apenas perfunctória, dos mais importantes, sem olvidar, contudo, da grande relevâncias desses para a compreensão conjuntural do sistema.

4.1. A capacidade contributiva e a pessoalidade do tributo[22]
          Num país como o Brasil, onde a carga tributária é uma das mais altas do mundo[23], há que se esperar um maior retorno, em benefícios sociais, que justifique tamanha voracidade fiscal. Não é, como salta aos olhos, o que acontece.

          Ademais, a capacidade econômica para pagar tributos somente deve ser sopesada, relativamente às atividades produtivas, após as deduções com os gatos de aquisição, produção e exploração.

          A aludida pessoalidade no texto constitucional, obriga o Estado a observar as características pessoais do contribuinte no momento de instituir o tributo, na medida em que capacidade nada mais é do que a possibilidade econômica de arcar com o pagamento, sem que isso comprometa a dignidade pessoal ou impossibilite a exploração de uma atividade profissional lícita. Em suma, tanto na criação como na aplicação das regras tributárias, o Estado deve ficar atento à potencialidade das pessoas para contribuir para o financiamento dos gastos públicos, sob pena de ferir a Constituição.

          Da leitura do material doutrinário consultado, a conclusão é a de que o princípio da capacidade contributiva é a fórmula utilizada pelo legislador constituinte para dar atendimento a outro princípio constitucional, o da isonomia, que nada mais é do que dispensar tratamento diferente aos desiguais. Não se pretende, com isso, reduzir o alcance do princípio ora em análise, pelo contrário, pois estabelecida essa co-relação, permitir-se-á alçar vôos ainda mais altos, em face da amplitude do princípio da igualdade, que abaixo será objeto de uma análise mais aproximada.
 
4.2. A legalidade [24]
          A Constituição é explícita ao afirmar que nenhum tributo pode ser criado ou aumentado senão em virtude de lei, afora as exceções previstas no próprio texto maior.

          A criação ou majoração de tributos é matéria a ser decidida pelos representantes do povo integrantes do poder legislativo, e não pelo Chefe do poder executivo, no que se chama de princípio da legalidade formal. É por tal razão que ganha destaque no cenário jurídico nacional a discussão sobre a constitucionalidade de se instituir ou aumentar tributos através de medidas provisórias, prevalecendo o entendimento dentro da nossa Corte Constitucional em sentido positivo, o que mereceu vaias de boa parte da doutrina[25].

          A legalidade sob a ótica material, impõe que a lei instituidora do tributo contenha todos os requisitos necessários para sua exata compreensão. Trata-se de uma perquirição de conteúdo e não de forma, tornando íntima a relação entre legalidade e tipicidade[26]. Em sendo a lei omissa ou obscura, não cabe ao administrador ou ao juiz equacionar o defeito por meio da aplicação da analogia ou outro recurso. A solução é a inaplicabilidade da lei ou do ato normativo. É de se consignar, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, decidiu pela constitucionalidade da lei que delegara ao Ministro da Fazenda o poder para fixar o prazo para recolhimento do tributo, entendendo que tal atribuição não se encontrava na exigência de reserva legal[27].
 
4.3. A anterioridade[28]
          Nenhum tributo pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro da lei que o criou. O objetivo desse princípio é permitir que o contribuinte faça uma programação das suas atividades, evitando surpresas e conferindo-lhe segurança jurídico-econômica.

          A vedação não se aplica ao aumento dos impostos de importação e exportação, sobre produtos industrializados, sobre operações financeiras e nem sobre o imposto extraordinário de guerra, por força de exceção constitucional.

4.4. A anualidade
          Acirrada a discussão sobre a existência[29], ou não[30], do princípio da anualidade em nosso sistema. Este a dispor que a lei que institui ou majora o tributo, além de ser criada em exercício anterior por imposição da anterioridade, deve ser editada antes da lei orçamentária, pois não se autoriza ou condiciona o que não existe. Não se poderia, sequer, alterar a lei orçamentária, criando ou aumentando tributos, após o prazo fixado pela Constituição[31]. Somente os tributos previstos na lei orçamentária de cada ano é que poderiam ser cobrados dos contribuintes.

          Embora sobre outro enfoque, recente decisão do Supremo Tribunal Federal reiterou a existência do princípio da anualidade em nosso ordenamento, com os seguintes termos:
          FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS E ANUALIDADE - O Tribunal concedeu mandado de segurança impetrado pelo Município de Santo Antônio do Amparo/MG contra a Decisão Normativa 38/2001 que, alterando a de nº. 37/2001, ambas do TCU, reduziu, de 1,2% para 1%, o coeficiente de participação municipal no Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Aplicou-se a jurisprudência da Corte no sentido de que a alteração do coeficiente em meio ao exercício financeiro viola o princípio da anualidade, extraído do art. 244 do Regimento Interno do TCU e do art. 91, § 3º c/c art. 92 do CTN, que estabelecem que os coeficientes individuais de participação dos municípios devem ser fixados até o último dia útil de cada exercício, para vigorarem durante todo o exercício subseqüente. Writ concedido para cassar, relativamente ao impetrante, os efeitos da decisão normativa impugnada produzidos durante o exercício de 2001, garantindo-lhe as diferenças devidas por força do índice previsto na decisão normativa alterada no período de julho a dezembro de 2001[32].

4.5. A igualdade
          Como sabiamente ponderou o professor GERALDO ATALIDA, ao proferir uma palestra sobre os princípios da igualdade e anterioridade:

          Se se perguntar qual é o princípio mais importante, qual a diretriz que domina toda a Constituição e que espraia suas exigências até os seus mais remotos confins e cujas exigências não podem ser ignoradas em nenhuma hipótese, por ninguém - nem pelo legislador, nem pelo administrador, nem pelo aplicador, nem pelo homem comum - teremos que dizer: "é a igualdade". Esse é o maior princípio constitucional. Primeiro, porque ele é um desdobramento e um fundamento da República, que está no art. 1º. Segundo lugar, é uma implicação necessária do Estado de Direito, que também está no art. 1º - não há Estado de Direito sem igualdade. Terceiro, porque o fulcro da Constituição está todo no art. 5º[33].

          Todos são iguais perante a lei, não se admitindo, mesmo em matéria tributária, discriminação racial, religiosa, filosófica, política, cultural ou qualquer outra. Contudo, é preciso relembrar que isonomia é tratar igualmente os iguais e diferentemente os desiguais. Mas o que são os iguais? Como saber quem são os desiguais?
          A professorada UFMG, MISABEL DE ABREU DERZI, mostra o caminho a ser trilhado nesta difícil tarefa, com propriedade:
Interessa, pois, muitas vezes, saber em que casos o princípio da igualdade prescreve uma atuação positiva do legislador, sendo-lhe vedado deixar de considerar as disparidades advindas dos fatos (a que se ligam necessariamente as pessoas) para conferir-lhes diferenciação de tratamento. É necessário saber quais as desigualdades existenciais que são também desigualdades jurídicas, na medida em que não se sujeitam a uma ignorância legislativa[34].

          O objetivo maior do princípio em matéria tributária é evitar privilégios injustificáveis, mas se reconhece a impossibilidade material de sua aplicação generalizada [35].

5.  O tributo
          O tributo é gênero, de que são espécies o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. O fundamento jurídico do tributo, como já alinhavado, é o poder fiscal do Estado, e seu elemento essencial é a coercibilidade, vale dizer, prerrogativa legal de o Estado compelir o contribuinte ao pagamento da prestação.

          O fim do tributo é contribuir para a arrecadação estatal, objetivando cobrir os gastos da coletividade. Trata-se de uma exigência da autoridade para com seus súditos, a fim de satisfazer o bem comum.
Há de se registrar que o conceito de obrigação tributaria é mais abrangente que o de tributo. A obrigação tributária principal envolve não só o pagamento do tributo, mas também o da penalidade pecuniária.

          Salienta-se, ainda, que existe um grupo volumoso de receitas estatais na qual está inserido o tributo. Portanto, o tributo não é, nem de longe, a única fonte de arrecadação estatal, mas apenas figura como um dos seus principais protagonistas. Nesse contexto, podem ser citadas as rendas auferidas através dos contratos administrativos, os valores recebidos à título de indenização e, inclusive, as verbas carreadas em face da imposição de sanções.

5.1. O conceito de tributo
          Vários são as significações dadas ao vocábulo, umas mais restritivas outras mais amplas. Outrossim, encontra-se no direito positivo um excelente conceito desse instituto, que vale a pena rever:
          Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

          Prestação compulsória, porque independe da vontade do sujeito passivo, ou seja, efetivando-se o fato previsto na norma, tal comportamento é obrigatório. Prestação em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, nada mais é do que uma redundância, pois já estava dito antes "prestação pecuniária"[36]. Prestação que não constitua sanção de ato ilícito, logo, proveniente de acontecimentos lícitos, eis que para os ilícitos existem as multas. Prestação instituída em lei, em face do princípio da legalidade formal. Prestação cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, sendo certo que a própria norma jurídica, às vezes, estabelece critérios subjetivos para satisfazer critérios objetivos que ela prevê.

          Inobstante o mérito do legislador, a doutrina dá a sua contribuição para a formulação de um conceito ainda mais preciso do instituto. Tendo como norte os aspectos econômicos, políticos e jurídicos, BERNARDO RIBEIRO DE MORAES assim edifica seu conceito:
          Tributo pode ser considerado como um ônus instituído pelo Estado, com base no seu poder fiscal, definido em lei, exigido compulsoriamente das pessoas que vivem dentro de seu território, a fim de poder desenvolver suas atividades na busca de suas finalidades[37].

          Os tributos distinguem-se das receitas auferidas através dos contratos administrativos, em virtude da circunstância subjetiva que envolve as obrigações bilaterais, inexistentes na relação tributária, qual seja: a elemento volitivo.

          Difere-se das multas, pois estas têm como fundamento fático a prática de um ato ilícito. Afasta-se das indenizações, na medida em que estas exigem a comprovação de uma lesão ao patrimônio público. Sequer se assemelha às apropriações, eis que nestas não se vislumbra o elemento obrigação.

          É nosso dever gizar que o tributo tem três objetivos: fiscal, como fonte arrecadadora de recursos para o Estado satisfazer as necessidades da coletividade; extrafiscal, quando o fim é a intervenção no domínio econômico; e parafiscal, destinado a atender financeiramente determinadas atividades que não integram as funções próprias do Estado.

          Fica fácil perceber, pois, que não se pode falar em retribuição direta e equivalente ao contribuinte em razão do pagamento do tributo. O proprietário de veículo automotor não pode deixar de pagar o imposto que lhe é próprio por entender que as vias e estradas na qual circula não estão recebendo a adequada manutenção. A insatisfação, nesses casos, se imagina argumento legítimo a fim de justificar a insurgência contra a tributação. A nociva incompetência administrativa na aplicação dos recursos públicos, não deve encontrar sanção nos tribunais, mas nas urnas, o democrático exercício do voto.

5.2. O tributo como norma jurídica
          Inicialmente, imprescindível delinear o sentido de norma jurídica. Para tal mister busca-se inspiração nas páginas do professor FÁBIO ULHOA COELHO, em profunda análise do legado do jurista austro-húngaro HANS KELSEN:
A definição do antecedente como descrição de comportamento humano e do conseqüente como sanção corresponde à generalidade das normas jurídicas [...]

          Em Kelsen, portanto, a estrutura da norma jurídica pelo menos segundo a descrição dada pela proposição jurídica, é sempre a de ligação deôntica entre a referência a certo comportamento p e uma sanção q. De modo mais simples, toda norma jurídica pode ser compreendida como a imposição de uma sanção à conduta nela considerada.[38]

          O tributo, como obrigação ex lege, deve ser instituído por lei em seu sentido formal, da qual conste de forma bem precisa dois elementos fundamentais: a hipótese de incidência, também chamada de fato imponível; e um mandamento. Esta é a divisão clássica da norma tributária.

          Entretanto, o professor SACHA CALMON, incorporando em sua obra os ensinamentos do professor PAULO DE BARROS CARVALHO, vê na norma tributária duas partes inconfundíveis: hipótese endonormativa e conseqüência endonormativa. A diferença básica, num primeiro plano, é de cunho meramente denominativo.

          A chamada hipótese endonormativa (hipótese de incidência), é o fato jurígeno previsto na lei como causa instituidora do tributo. Destacam-se, neste momento, alguns aspectos da norma. Levando em conta o imposto sobre propriedade de veículos automotores: material, é a descrição pura do fato (como ser proprietário de veículo automotor); temporal, são as condições de tempo em que deve ocorrer o fato (possuir o automóvel no ano de 2005); espacial, são as condições de lugar (automóvel licenciado em determinada circunscrição – Município do Rio de Janeiro); e pessoal, que são as condições e qualificações das pessoas envolvidas com o fato e que nem sempre serão as responsáveis pelo pagamento do tributo (Caio é o proprietário do veículo).

          Já em relação à conseqüência endonormativa (mandamento), seus aspectos são: sujeito ativo, a quem deve ser pago o tributo (IPVA deve ser pago ao Estado-membro); sujeito passivo, quem deve pagar (o proprietário do veículo no exercício correspondente); base de cálculo e alíquotas, trata-se do critério quantitativo (O IPVA tem alíquotas que variam de 2% a 5% dependendo do Estado-membro); como pagar, ou seja, a forma de adimplemento da obrigação; onde pagar, que nada mais é do que o local onde deve ser pago o tributo; e quando pagar, traduzido no termo a que está sujeita a obrigação tributária. A estruturação acima não é aceita à unanimidade pelos doutrinadores, e não raro outras divisões são propostas[39].

          Não se deve confundir hipótese de incidência com fato gerador. A primeira, é a mera descrição, na lei, do fato suficiente ao nascimento da obrigação tributária. A segunda, por sua vez, é justamente a concreção desse fato no mundo real.
          Ademais, a incidência do próprio tributo é dinâmica. Ocorrendo o fato previsto na norma legal como hipótese de incidência (concretização do fato gerador), o mandamento, ou preceito, ou conseqüência endonormativa, que era abstrata, torna-se viva e atuante, produzindo seus efeitos no mundo real e estabelecendo entre o Estado e o contribuinte a obrigação tributária.
 
6. O novo regime jurídico da insolvência mercantil
          Apesar das experiências vividas nesses sessenta anos de vigência do D.L. 7.661/1945, alguns pontos do antigo regime sequer encontram um ponto de equilíbrio, seja já doutrina, quer na jurisprudência. Dois deles, pelo menos, foram novamente revolvidos mais adiante, porém, agora, tendo como substrato dogmático a Lei 11.101/2005, o que deu novos ares àquelas antigas discussões e, assim, um novo colorido nas respectivas soluções.

          Também mereceu nossa especial atenção a classificação do crédito tributário diante do reposicionamento dos credores, fruto de uma incansável disputa entre os detentores do crédito no Brasil, as instituições financeiras, e o próprio Estado.

          Transborda à pretensão desse artigo sopesar os diferentes aspectos e pontos de contato decorrentes do arcabouço jurídico que se estabelece entre a disciplina do instituto da recuperação de empresa e o regime tributário, missão que, a par de sua importância, terá que ser enfrentada em outra oportunidade.

6.1. A legitimidade ativa da fazenda para requerer a falência do contribuinte.
          Diante da ausência de norma expressa, indaga-se: a fazenda pública pode requerer a falência do contribuinte com base em créditos tributários representados por certidões de dívida ativa?
Sempre existiram dois posicionamentos a respeito. O professor e promotor de justiça paulista WALDO FAZZIO JÚNIOR assim expõe seu pensamento:
          Também a Fazenda Pública pode requerer a falência do devedor empresário, embora não esteja sujeita ao concurso de credores para receber seu crédito.

          Em primeiro lugar inexiste qualquer restrição legal. O fisco possui título executivo e, uma vez caracterizados os motivos legais que determinam a quebra, pode e deve a Fazenda Pública valer-se do direito que até a credores civis é garantido.
[...].

          Depois, o art. 187, do CTN confere privilégio ao crédito fiscal, e não uma imposição[40].
          Nesse mesmo diapasão, o professor MAXIMILIANUS, citando jurisprudência e doutrina[41], conclui que “os credores privilegiados, como o empregado, o fisco ou o senhorio, podem requerer falência, sem perda do privilégio. Porque a lei não o impede[42]”. (grifo nosso).

          No entanto, ainda sob a égide do Decreto Falimentar de 1945, RUBENS REQUIÃO negava-lhe legitimidade ativa, sob o fundamento de que existe uma lei própria para a fazenda cobrar seus créditos[43], “faltando-lhe legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência do seu devedor[44]”.

          A matéria, em sede jurisprudencial, estava dividida. Ocorre que recentemente a questão foi decidida “definitivamente” pela 2ª Seção do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em acórdão, cuja ementa a seguir transcreve-se:
          PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA FORMULADO PELA FAZENDA PÚBLICA COM BASE EM CRÉDITO FISCAL. ILEGITIMIDADE. FALTA DE INTERESSE. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. I - Sem embargo dos respeitáveis fundamentos em sentido contrário, a Segunda Seção decidiu adotar o entendimento de que a Fazenda Pública não tem legitimidade, e nem interesse de agir, para requerer a falência do devedor fiscal. II - Na linha da legislação tributária e da doutrina especializada, a cobrança do tributo é atividade vinculada, devendo o fisco utilizar-se do instrumento afetado pela lei à satisfação do crédito tributário, a execução fiscal, que goza de especificidades e privilégios, não lhe sendo facultado pleitear a falência do devedor com base em tais créditos[45].

          Mais uma vez o legislador não se preocupou em resolver a questão, pelo menos expressamente. Daí a necessidade de uma maior reflexão. Outrora, repudiava a legitimidade ativa à fazenda pelos mesmos fundamentos em que se basearam a maioria dos ministros que participaram do julgamento supra, mas diante da nova sistemática, inevitável resultado diverso.

          Pelo regime anterior, o privilégio do crédito fazendário só não sobrepujava os créditos trabalhistas e acidentários, sendo certo que as execuções fiscais não se suspendiam pela falência. Hoje, contudo, a principal inovação em termos de preferências legais foi o rebaixamento do privilégio do crédito fiscal, que só é satisfeito após os créditos acidentários, trabalhistas e com garantia real. Dessa forma, considerando que a lei não veda expressamente o requerimento de falência pela fazenda, pelo contrário, se refere a QUALQUER CREDOR[46], bem assim a atual legitimidade conferida aos credores com garantia real[47], detentores de um privilégio ainda maior que o da fazenda, não há como afastar a legitimidade ativa do Estado, mesmo porque a continuação do executivo fiscal após a decretação da quebra esbarra em outro posicionamento firme do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, o produto apurado no executivo fiscal que tiver prosseguimento depois de decretada a falência deve ser remetido para a Massa Falida[48].

6.2. Os efeitos da sentença de falência sobre o crédito tributário
          A hipótese a ser analisada a partir de agora, é qual o caminho que deve ser trilhado pela Fazenda Pública para receber o crédito tributário correspondente, diante da decretação da falência do contribuinte. Deve ela se habilitar no processo falimentar, simplesmente comunicar seu crédito por ofício ou propor o executivo fiscal, na forma da lei própria. A questão não é tão simples e duas situações distintas podem ocorrer. A primeira, tomando por base os créditos tributários cujos fatos geradores ocorrerem após a sentença de falência, denominados débitos tributários da Massa Falida. A segunda, diametralmente oposta, são os créditos tributários cujos fatos geradores ocorrerem antes da sentença de quebra, portanto, denominados débitos tributários do falido.

          DÉBITO TRIBUTÁRIO DA MASSA FALIDA - No que se refere ao débito tributário da Massa Falida, ou seja, tributos cujos fatos geradores ocorrerem após a sentença de falência, o pagamento deve ser feito direta e amigavelmente pelo Administrador Judicial, na forma prevista na legislação tributária, já que tais tributos devem ser tratados como DESPESAS EXTRACONCURSAIS[49].

Dessa forma, conjugando o artigo mencionado com a exceção prevista no artigo 76, da Lei de Falências[50], chega-se à conclusão que se o débito tributário da Massa Falida não for quitado amigavelmente pelo Administrador Judicial, pode a Estado promover a execução do crédito fiscal normalmente no juízo competente para julgar as causas da Fazenda Pública.


          No entanto, nada impede que a Fazenda Pública, por ofício, comunique tal fato ao JUÍZO DA FALÊNCIA e este determine imediatamente o pagamento do tributo vencido, respeitadas as preferências legais.

          DÉBITO TRIBUTÁRIO DO FALIDO – É certo que a Fazenda Pública não está sujeita ao concurso de credores ou ao procedimento de habilitação[51]. Sendo assim, para receber o seu crédito, deve comunicar, por ofício, o juízo onde se processa a falência, a fim de que seja reservada a quantia necessária para o pagamento do seu crédito, observada a ordem de preferência prevista na Lei de Falências[52] e no próprio Código Tributário Nacional[53].

Sustento a IMPOSSIBILIDADE de ajuizamento ou o prosseguimento de qualquer execução fiscal após a decretação da falência, POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DO FALIDO, com arrimo no §7º do artigo 6º da Lei de Falências[54]. Assim entendo porque uma interpretação a contrário senso do citado parágrafo, leva à conclusão de que a sentença de falência importa em SUSPENSÃO das execuções ficais em andamento. Ademais, eventual ajuizamento (ou prosseguimento) de execução fiscal por débitos tributários do falido, não seria de nenhuma serventia para o Estado, já que o máximo que a Fazenda Pública poderia obter no juízo onde se processasse o executivo fiscal é a inoperante penhora no rosto dos autos[55]. Aliás, já se tinha como pacífico no seio do Superior Tribunal de Justiça, que o valor obtido com a venda em hasta pública de algum bem penhorado durante o processamento da execução fiscal, deveria ser imediatamente remetido para o juízo falimentar[56].


          Alinha-se o pensamento, assim, para concluir, relativamente ao débito tributário do falido, pela absoluta IMPOSSIBILIDADE de ajuizamento ou prosseguimento de processo de execução fiscal, mesmo naqueles em que já haja penhora no momento da decretação da falência, não apenas pelas razões já mencionadas, como também porque a nova LRE não reproduziu a regra que estava esculpida no §1º do artigo 24, do D.L. 7.661/1945 [57].

6.3. O crédito tributário e o quadro geral de credores
          Consoante já antecipado, os créditos tributários se dividem de acordo com a época em que se deu o fato gerador do tributo, sendo a sentença de falência o divisor de águas. Tendo como foco o débito tributário da Massa Falida, verifica-se que o cumprimento dessa obrigação tributária deve ser feito diretamente pelo administrador judicial que, entretanto, deverá atentar para as preferências legais.

          Nesse sentido, deve ser observada a seguinte ordem: atendimento dos pedidos de restituição in natura[58]; pagamento dos três últimos salários dos empregados do falido, contados da sentença de falência, limitado o pagamento ao valor de cinco salários-mínimos por empregado[59]; atendimento dos pedidos de restituição em dinheiro[60]; e, finalmente, os créditos extraconcursais[61].

          Mas as preferências não param por aí. Sob a rubrica créditos extraconcursais existe uma ordem a ser seguida, valendo ressaltar que nela, o crédito tributário contra a Massa Falida não é o protagonista, eis que devem ser atendidos, com antecedência: os créditos ao administrador judicial e seus auxiliares, bem assim os créditos trabalhistas e acidentários por serviços prestados à Massa; os créditos fornecidos a essa por credores; as despesas e custas judiciais com o processo de falência; e as custas judiciais de outros processos ligados à falência.

          Somente após o cumprimento de todas as obrigações supramencionadas é que, finalmente, pode se pensar em pagar o crédito tributário devido pela Massa Falida. Pensar, porque este pagamento ainda está condicionado a ordem estabelecida no artigo 83, da LRE, ou seja, os créditos com garantia real preferem aos tributários.

          Se a situação do crédito tributário contra a Massa parece desalentadora para a Fazenda Pública, muito pior é a posição do crédito tributário contra o falido, pois além de aguardar o cumprimento de todas as obrigações citadas, ainda será precedido pelos créditos acidentários e trabalhistas por serviços prestados ao falido, bem como pelos créditos com garantia real devidos pelo falido.

          Para uma melhor compreensão, segue quadro demonstrativo, lembrando que primeiro serão atendidas as obrigações da massa e só então as do falido:


6.4. A reabilitação do falido e a existência de débito tributário
          O último ponto a ser aquilatado, mas não sem antes advertir que existem inúmeros outros temas de comum interesse entre o direito tributário e falimentar, não é novidade para os que convivem com o processo falimentar. Trata-se da exigência, para fins de reabilitação do falido, de apresentação das certidões negativas de débito perante as Fazendas Públicas federal, estadual e municipal, além do INSS[62].

          A reabilitação tem funcionado como forma declaratória da extinção das responsabilidades civis e criminais, o que lhe dá feição híbrida, permitindo que o empresário volte a explorar sua empresa.

          Esse pedido pode ser formulado, inclusive, antes mesmo do juiz encerrar, por sentença, o processo de falência, desde que sejam pagos todos os credores, numa manobra chamada pela doutrina de Levantamento da falência. Do contrário, o pedido deve se processar em autos apartados, consoante determina a lei[63].

          A reabilitação pode ter os seguintes fundamentos[64]: I) qualquer causa extintiva dos créditos habilitados, como novação, remissão, prescrição, pagamento, transação e etc.; II) rateio de mais de 50% dos créditos habilitados, depois de realizado todo o ativo; III) Após o decurso do prazo prescricional de 5 anos, contados a partir da data de encerramento da falência, extinguem-se as obrigações do falido, se este ou o administrador da sociedade falida não foram condenados por crime falimentar; IV) No caso de condenação o prazo sobe para 10 anos.

          Ocorre que o Código tributário Nacional, independentemente da causa, exige que o devedor apresente prova de quitação de todos os tributos, para que se declare extintas as obrigações do falido. Nesse sentido tem decidido os tribunais superiores, com absoluta tranqüilidade.

O saudoso RUBENS REQUIÃO sempre questionou tal exigência, sob o argumento de que:
          Nada menos lógico e justo nessa exigência. Se pagos todos os créditos sujeitos à falência, mesmo na percentagem de quarenta por cento[65], deve o juiz proferir sentença de encerramento, independente da existência ou não de créditos tributários; se os não estão sujeitos sequer ao processo falimentar, como no seu final, exigir-se-á participação tão decisiva desse crédito em processo do qual não participou por determinação da lei?[66].

          Ouso discordar do grande mestre Paranaense, para fazer coro com a jurisprudência dominante. Há de ser considerado, especialmente diante do novo sistema criado pela Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, que o crédito tributário é intensamente atingido pela falência, sendo-lhe dispensado, apenas, o rigor do processo de habilitação.

Das conclusões
          Estamos próximos do encerramento de nossa viagem e após tantas divagações, algumas premissas podem ser destacadas:
          1ª) É comprovadamente mais intenso o relacionamento firmado entre o direito tributário e o empresarial. A reestruturação do regime jurídico da insolvência mercantil é a prova viva de que os profissionais desses dois ramos do direito hão de se aproximar ainda mais, num futuro cada vez mais presente.

          2ª) O direito tributário, como ramo autônomo do direito público, de índole obrigacional, tem como escopo o estudo e a regulamentação das normas jurídicas que tratam da relação jurídico-tributária, de um lado restringindo o poder de tributar do estado, decorrente de sua soberania, e de outro protegendo o contribuinte dos excessos no uso desse poder.

          3ª) O tributo não é a única, mas é a principal fonte de arrecadação financeira do Estado. O poder de tributar é conferido ao Estado pelo povo, através da Assembléia Nacional Constituinte, como instrumento a permitir o Estado a concretizar as aspirações sociais, ou seja, a realização do bem comum.

          4ª) O sistema tributário nacional é um conjunto de princípios e normas sobre o poder de tributar do Estado, complementado, sobretudo, pelas regras contidas no Código Tributário Nacional. Esse poder é dividido entre a União, os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Não se pode confundir o titular da competência tributária, cujo poder é de criar o tributo, como o titular do crédito tributário, beneficiário direto da arrecadação do tributo.

          5ª) A repartição da competência tributária tem como base a classificação dos tributos em vinculados e não-vinculados, bem assim as técnicas de competência privada e comum.

          6ª) Os princípios constitucionais tributários, em sua maioria, reafirmam os direitos e garantias individuais consagrados no artigo 5º da CR/88.

          7ª) O tributo, como gênero do qual são espécies os impostos, as taxas e a contribuição de melhorias, é toda obrigação pecuniária instituída pelo Estado, através do Poder Legislativo, no exercício de sue poder fiscal, que tenha como base um fato lícito, praticado no seu território, e cujo objetivo seja o financiamento da atividade estatal. A norma tributária pode ser dividida em duas partes. A primeira é chamada de hipótese endonormativa, ou hipótese de incidência tributária. A segunda é a conseqüência  ou mandamento endonormativo.

          8ª) A jurisprudência nega legitimidade ativa à Fazenda Pública para requerer a falência do contribuinte empresário. Entretanto, o novo sistema permite uma conclusão diversa, pois o rebaixamento da classificação do crédito tributário e os efeitos da sentença de falência sobre as execuções fiscais dão um novo colorido à discussão. Ademais, a própria lei fala em “qualquer credor”, como apto à formulação do pedido de quebra do seu devedor empresário.

          9ª) As execuções fiscais por débitos tributários do falido devem ser suspensas, por força do artigo 6º §7º, da LRE. Já os débitos tributários contra a Massa Falida podem ser executados normalmente no juízo que próprio para a Fazenda Pública, face à exceção contida no artigo 76, da LRE.

          10ª) O privilégio do crédito tributário foi profundamente rebaixado no novo regime, sobretudo em virtude do mimo conferido aos detentores de garantia real. Tal modificação teve como objetivo beneficiar os detentores de capital, integrantes do sistema financeiro, como forma de tornar menos arriscada a oferta de crédito e, assim, desonerar a produção com a baixa dos juros.

          11ª) Apesar das críticas, permanece incólume a exigência de apresentação das certidões negativas de débito tributário para que o falido ou sociedade falida vejam declaradas extintas as suas obrigações, no que se chama de reabilitação do falido.



Referências bibliográficas:
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COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
DERZI, Misabel de Abreu; Coelho, Sacha Calmon Navarro. Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982.
FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências e concordatas. 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de direito comercial. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã. Tradução de: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Rio de Janeiro: Nova Cultural.
MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário. 5 ed. Volume I. São Paulo: Forense, 1996.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Volume I. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.


[1] Lei complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005.
[2] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed.  São Paulo: Malheiros, 2005. p. 51.
[3] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 32.
[4] MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário. 5 ed. Volume I. São Paulo: Forense, 1996. p. 95.
[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 52
[6] MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã. Tradução de: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Rio de Janeiro: Nova Cultural.
[7] SCHMOLDERS, Gunter. Teoria general del impuesto. Madrid: Editorial de Derecho Financeiro, 1962. p. 3. Apud: MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário. 5 ed. Volume I. São Paulo: Forense, 1996. p. 349.
[8] ATALIBA, Geraldo. Op. cit. p. 29.
[9] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 225.
[10] ATALIBA, Geraldo. op. cit. p. 84.
[11] Sistema e regime, como conjuntos de princípios e regras sobre determinado assunto, são a mesma coisa e como tal serão considerados nas linhas que seguem.
[12] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 187.
[13] MORAES, Bernardo Ribeiro. op. cit. p. 172.
[14] CF/1988, artigos 145/162.
[15] Lei 5.172, de 25.10.1966.
[16] O professor Geraldo Ataliba, na sua pequena grande obra, Hipótese de incidência tributária, também classifica os tributos em vinculados e não vinculados, considerando as taxas e contribuições como vinculados a uma atuação estatal, enquanto os impostos são tributos não vinculados.
[17] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 70.
[18] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. pp. 74-75. Ambos de competência privativa da União. Em sentido contrário: MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 64, que sustenta a existência de cinco espécies.
[19] MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit. p. 237.
[20] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 89.
[21] MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p.  39.
[22] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[...].
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
(...).
[23] 32,3% do PIB, em 2000: um recorde histórico.
[24] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(...).
[25] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit. p. 194.
[26] Vide artigo 97, do CTN.
[27] RE 140.669/PE, Rel. Min. Ilmar Galvão. Julg. em  02.12. 1998. Informativo STF 134.
[28] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...].
III - cobrar tributos:
[...].
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
[29] Por todos, COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, in: op. cit. p. 228 e segs. na qual cita os posicionamentos dos professores FLÁVIO BAUER NOVELLI, JOÃO MANGABEIRA e MISABEL DERZI.
[30] Por todos, MACHADO, Hugo de Brito, in:  op. cit. p. 43, na qual destaca a corriqueira confusão que se faz entre os princípios da anualidade e anterioridade.
[31] Segundo as regras atuais, o prazo é até 14 de novembro, eis que a CR/88 conferiu à lei complementar o poder para estabelecer tal prazo, consoante artigo 165, §9º, inciso I.
[32] MS 24151/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 28.9.2005. Informativo 403 do Supremo Tribunal Federal.
[33] Nessa mesma palestra, o professor GERALDO ATALIBA forneceu um elucidativo exemplo de como deve ser aplicado o princípio da isonomia em direito tributário:
- O Decreto-lei 2.434 estabeleceu o seguinte: "são isentas do imposto sobre operações de câmbio as operações de câmbio realizadas para cobrirem importações cujas licenças de importação sejam expedidas depois do dia x". Esta lei é alguns meses anterior ao tal dia x. Ficou imediatamente evidente, para a maioria dos contribuintes, mesmo leigos, que havia algo de muito esquisito. Eles se sentiram desigualmente tratados. Por quê? Ora, se alguém obtém a licença para importar antes do dia tal, paga o imposto; se for depois do dia tal, não paga o imposto. Então, ficou muito chocante para o leigo que havia uma violação da igualdade. Ora, o que tem o fato de eu tirar licença agora ou depois, com a carga tributária que vou ter que pagar? Este tratamento desigual não é justificado.
Então, isto foi elaborado pela jurisprudência de Primeira Instância e especialmente por este Tribunal, mas acompanhado por alguns outros Tribunais Regionais Federais do País. E predomina a seguinte orientação: se a lei deu isenção deste imposto sem nenhuma razão objetiva, clara, transparente, ou seja, sem fundamento, já que o Judiciário não vai questionar o mérito da decisão de dar isenção, então o Judiciário dá isenção para todo mundo em igualdade de condições, tenham ou não as pessoas obtido a licença no dia x ou no dia y, que é um dia futuro.
Há acórdãos com os mais variados fundamentos. Eu diria, pelo que tenho visto - se eu estiver errado, vou ser corrigido pelo Dr. Kallás, Dra. Diva, Dr. Américo Lacombe - que o fundamento predominantemente acolhido é o seguinte: se a lei tributária deve descrever um fato dizendo: "a partir do acontecimento deste fato nasce uma obrigação tributária", a lei tributária é obrigada, por exigência constitucional, a descrever, satisfatoriamente, integralmente, o fato. Descrever o fato integralmente quer dizer: o legislador é obrigado a explicitar os dados básicos deste fato, para que ele possa ser reconhecido pelos intérpretes como fato tributável.
Deve dizer qual é a materialidade do fato, qual é o momento em que acontece o fato, qual é o local - se for relevante - em que acontece o fato, quem é o sujeito passivo que vai ser responsável pela obrigação que vai nascer do acontecimento deste fato, qual é a base imponível (ou seja, deste fato, qual é a dimensão economicamente mensurável que é legislativamente qualificada para sofrer a aplicação da alíquota). E a lei ainda deve estabelecer a alíquota. Tudo isso deve estar na lei. A falta de qualquer destes elementos na lei impede que se reconheçam preenchidas as exigências do princípio da legalidade. Então, haveria intenção de tributar, mas não uma norma tributária; o Estado quis tributar. Só que não foi eficaz, ele não conseguiu fazer a norma inteirinha. A mesma coisa que aconteceria numa norma penal a que faltasse um elemento substancial qualquer, e o Prof. Kallás me corrigirá. Nenhum aplicador pode suprir aquela deficiência da lei penal. O legislador quis punir, mas não conseguiu, não conseguiu criar a figura punitiva, porque faltou um elemento. A legalidade exaustiva estrita é tão válida em Direito Penal quanto em Direito Tributário.
Pois bem, este fato com as suas perspectivas econômicas é que serve de fundamento para a armação da chamada trama tributária concreta. Então o legislador descreveu o fato, já que se trata do imposto de importação (se alguém quiser estudar, deve ler o livro do Prof. Américo Lacombe). O legislador deve descrever o fato, exige a Constituição. No caso, obedecendo ao art. 153, I, da Constituição, ele deve descrever o fato "importar". Quer dizer, "fazer com que uma coisa, um produto, uma mercadoria passe a linha aduaneira". A pessoa que fizer isto produziu o fato que a Constituição consente que seja erigido em fato tributável. E quem erige é o legislador, é a própria Constituição que diz. É o legislador.
Para que o sujeito pague ao vendedor, no exterior, o produto importado, ele é obrigado a comprar moeda. Isto configura operação de câmbio, negócio jurídico-financeiro, entregar moeda nacional em troca de uma moeda estrangeira. A operação de câmbio é regulada por lei administrativa. O fato "realizar operação de câmbio" é um fato que está qualificado pela lei tributária como capaz de fazer nascer obrigação de pagar o tributo, imposto genericamente chamado de IOF. No caso, Imposto sobre Operação de Câmbio. Há quem chame de IOC.
Ora, qual é a relação que há entre o fato de ter que comprar moeda - que é um fato que faz nascer obrigação tributária, porque está qualificado na lei, com base na Constituição - com o fato de alguém importar? Qual é a relação jurídica do próprio fato? Nenhuma. É lógico que todos os nossos negócios são encadeados. É porque sou proprietário de um imóvel que posso alugá-lo e, alugando, recebo uma renda. Isto não autoriza nenhum legislador a misturar o contrato de locação com o imposto predial urbano sobre aquele meu imóvel, o IPTU. Se eu não for dono do imóvel, é evidente que eu não posso locá-lo, mas esta conexão dos fatos na minha pessoa não autoriza que o legislador faça nenhum tipo de mistura legislativa, desobedecendo aos critérios da Constituição.
E a Constituição é claríssima. Uma coisa é importar, como fato capaz de fazer nascer obrigação tributária; outra coisa é realizar operação de câmbio, para pagar a importação. Então, o que fez este legislador que disse: "são isentas as operações de compra de moeda estrangeira, cuja licença de importação se realize depois do dia tal"? Mas como? A licença de importação é um procedimento administrativo que vai permitir o fato de importar. Fato este que pode fazer nascer um outro imposto. Obter licença administrativa para importar é um fenômeno administrativo, o condicional do acontecimento de um outro fato, tributável por outro imposto. E vem esse legislador e diz: "quando for comprar moeda vai ficar dependendo deste acontecimento e dessa data". É um arbítrio total. Por quê? Ensina a teoria tributária - desdobrando a Constituição - que o fato que o legislador põe na materialidade da hipótese de incidência deve ter conteúdo econômico. No caso, não precisamos nem discutir teoria, a Constituição já deu os conteúdos econômicos (arts. 153, 155, 156). Os conteúdos são aqueles que estão na Constituição: importar, exportar, ser proprietário rural, receber renda, produzir bens industrializados, realizar operação financeira, prestar serviço, ser proprietário imobiliário, praticar operações mercantis... São estes os fatos tributáveis no Brasil. Não precisamos nem fazer discussão teórica.
Estes fatos, o legislador pode dizer "quando acontecidos e se acontecidos, farão nascer obrigação tributária". Só podem fazer nascer obrigação tributária a cargo de quem promova esses fatos, realize esses fatos, produza esses fatos, ou tire proveito desses fatos. Há alguns fatos que a gente não promove. Por exemplo, transmissão causa mortis. Ainda que alguém promova a morte de outra pessoa, não está promovendo a transmissão. É o fenômeno natural morte que promove, provoca a transmissão, a mudança de titularidade de uma coisa.
Então ficou claro o arbítrio do legislador. Ele misturou elementos administrativos, elementos ou dados de outro imposto para disciplinar o imposto sobre operação de câmbio - quer dizer, o negócio de compra de moeda - e estabeleceu que umas pessoas pagam e outras não pagam, quando preceituou a isenção, arbitrariamente, sem levar em conta os elementos do próprio fato, ou os elementos ligados à pessoa que produz o fato 'comprar moeda' ou 'vender moeda'. Arbítrio total.
Os Tribunais reconheceram isto. Este Tribunal disse: "esse artigo da lei violou o princípio da igualdade; está tratando desigualmente as pessoas, uns pagam, outros não pagam sem nenhuma razão objetiva, sem fundamento, sem proteção, sem amparo constitucional". Muitas decisões, aliás, dizem só isso: "esse artigo do Decreto-lei nº. 2.434 é inconstitucional". Mas não basta dizer que é inconstitucional (Decreto-lei nº. 2.434, art. 6º, tenho um trabalho publicado na Revista de Direito Tributário, sobre isto).
Não exerce a função jurisdicional o Juiz que disser: "este art. 6º é inconstitucional", porque afirmar isto, só, é criar a seguinte situação: todas as pessoas que estão inquestionavelmente isentas - foi brigar quem obteve licença de importação antes do dia x - os que obtiveram ou vieram a obter depois do dia x não foram brigar, é lógico, nem tinham legitimidade, nem interesse, eles estavam sendo dispensados do pagamento do tributo.
Então, dizer que é inconstitucional - realmente é, porque está violando a Constituição - não resolve o pedido feito, não ampara o direito subjetivo do cidadão que vai ao Juiz e diz: "Senhor Juiz, eu fui tratado desigualmente".
Então, a jurisprudência deste Tribunal estabeleceu que esta norma, realmente, se interpretada como baseada exclusivamente no dia x, é arbitrária. Então, eu ignoro a menção ao dia x, porque a menção ao dia x faz com que uns paguem e outros não paguem. É a data a partir da qual vai ser aplicável a isenção que está criando a desigualdade. Esta data ignoro; ela é arbitrária; o resto da lei não é arbitrário. A lei da União pode estabelecer isenções de modo geral, ninguém impugnou o mérito da isenção. Logo, enquanto não seja impugnado eu aceito, só que sem data nenhuma. A partir de vigente a lei, todas as pessoas que comprarem moeda para cobrir importação, tenham ou não guia de importação, estarão dispensadas de pagamento do tributo.
A Fazenda invocou um artigo do Código Tributário Nacional bem tacanho que diz o seguinte, mas enfim é um artigo de lei: "não se admite o emprego da analogia com o efeito de dispensar tributo devido". A União invocou isto, e este Tribunal desprezou a invocação. Desprezou a invocação, porque disse: "Aí não há analogia; não se está dando tratamento analógico à questão. Está-se, isto sim, estendendo a norma a todos os fatos que se compreendem no seu conteúdo. Tirando a data que era arbitrária e que criava desigualdade; tirando a data, a norma deve ser aplicada a todos os fatos que estão na sua hipótese". Quais são os fatos? "Realizar operação de câmbio", a partir do momento em que a lei está em vigor. Então, a partir do momento que a lei está em vigor, a operação de câmbio é isenta.
[34] DERZI, Misabel de Abreu; Coelho, Sacha Calmon Navarro. Do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 56.
[35] A questão foi muito discutida quando algumas prefeituras instituíram alíquotas progressivas para a cobrança do IPTU, foram dos casos de mau uso da propriedade. Prevaleceu o entendimento de que tal sistema era inconstitucional. Por outro lado, em acórdão ainda não publicado, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu pela legalidade de alíquotas diferenciadas para a cobrança sobre o consumo de água. Como se nota, o tema é bastante polêmico.
[36] É possível, em tese, a prestação tributária consistir na entrega de bens (in natura) ou serviços (in labore), mas para tanto há necessidade de lei específica nesse sentido.
[37] MORAES, Bernardo Ribeiro. Op. cit. pp. 351-352.
[38] COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 22.
[39] Nesse sentido: MORAES, Bernardo Ribeiro. Op. cit. pp. 371-372.
[40] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de direito comercial. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2004. pp. 638-639.
[41] Citando o posicionamento do professor Netto Armando.
[42] FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências e concordatas. 17 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 29.
[43] Lei 6.830/1980.
[44] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Volume I. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 109.
[45] REsp. 164.389/MG. Rel. Min. CASTRO FILHO. P/Ac. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julg. em 13.08.2003. DJ 16.08.2004. p. 130.
[46] Lei 11.101/2005, artigo 97, inciso IV.
[47] A vedação que existia no sistema anterior (art. 9º, inciso III, “b”) não foi renovada na nova LRE.
[48] REsp. 423.686/RS. 2ª T. Rel. Min. CASTRO MEIRA. Julg. em 16.09.2004. DJ. 13.12.2004. p. 278.
[49] LRE, art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
[...]
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
[50] LRE, art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caputdeste artigo, terão prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a Massa Falida, sob pena de nulidade do processo.
[51] CTN, art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.
[52] LRE, art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
[53] Vide artigo 187, do CTN, reproduzido na nota 44.
[54] LRE, art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
(...)
§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
[55] REsp. 253.146/RS. Rel. Ministro GARCIA VIEIRA. DJU 14.08.2000.
[56] REsp. 444.964/RS, Rel. p/acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJU de 09.12.03. e AgRg no REsp. 601.452/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, julg. em 18.03.2004, DJ 17.05.2004 p. 154.
[57] D.L. 7.661/1945, art. 24 (…)
§1o. Achando-se os bens já em praça, com dia definitivo para arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, entrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, somente entrará para a massa a sobra, depois de pago o exeqüente.
[58] LRE, art. 85 c/c 149.
[59] LRE, art. 86 § único c/c 151.
[60] LRE, art. 86 c/c 149.
[61] LRE, art. 84.
[62] CTN, art. 191.
[63] LRE, art. 159.
[64] LRE, art. 158.
[65] Como vimos, a lei atual exige o pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários.
[66] REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 396.




 


 

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