Sumário
Introdução. Aspectos Gerais. Os Reajustes Possíveis. Conclusão. Bibliografia
Introdução
Os contratos de plano de saúde são contratos de prestação de serviços por meio dos quais o consumidor-contratante transfere onerosamente ao fornecedor-contratado os riscos de futuros eventos envolvendo sua saúde. Assim, o fornecedor se obriga a arcar com os custos - se existirem - da assistência médica necessária à manutenção ou ao restabelecimento da saúde do consumidor, nos limites da cobertura contratual a qual aderiu.
Dada a relevância social desta espécie de contrato, o oferecimento do produto plano de saúde ao consumidor é minuciosamente regulado na legislação pátria, tendo esta regulação por principal fonte normativa a Lei 9565/1998 e como fontes secundárias os atos normativos expedidos pela ANS (Agência Nacional de Saúde) e pelo CONSU (Conselho de Saúde Suplementar), os quais atuam como legisladores extraordinários, editando, revogando ou modificando normas com vistas a alterar a relação de tratamento obrigatório adaptando os contratos à evolução da ciência médica.
Os reajustes por mudança de faixa etária afetam sobremaneira estes contratos, de modo que são também limitados não apenas pela legislação vigente, mas pelas normas constantemente expedidas pela ANS e pelo CONSU, com vistas a evitar abusos.
É, precisamente, para se organizar os critérios que levam à legalidade ou não destes reajustes que se desenvolve este estudo.
Aspectos gerais
Como acima já mencionado, o contrato de plano de saúde é contrato de prestação de serviços. Pela sua natureza, contudo, as coberturas possíveis, os tipos de contrato e seus valores de reajuste anual ou por mudança de faixa etária são minuciosamente regulados pela lei.
A Lei 9656/98, todavia, somente se aplica diretamente aos contratos celebrados a partir de sua vigência, na forma de decisão em ADIN do STF, cuja liminar foi concedida pelo então Ministro Nelson Jobim. Contudo, cf o entendimento do STJ, a lei 9656/98 serve de boa orientação para a interpretação dos contratos anteriores à lei, os quais se regem apenas pelo C.D.C. (REsp. 242.550-SP-18/02/2002). De qualquer modo, as cláusulas e estipulações dos contratos (critérios de reajuste, revisão de contraprestações, modificação de rede conveniada, etc) ficam sujeitas ao poder regulamentar da ANS e de seu órgão de assessoramento, o CONSU. Ademais, a relação jurídica existente entre a operadora e o usuário do plano ou seguro saúde será sempre uma relação de consumo, não importando se o contrato é coletivo ou individual, e os dependentes do titular do plano também são consumidores. Isto porque tanto a operadora como o usuário se enquadram nos conceitos dos arts. 2º e 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, e a natureza do serviço contratado no conceito do art. 3º, §2º, do mesmo diploma legal. Portanto, no plano de saúde, ainda que se trate de modalidade de autogestão, a operadora será fornecedora, e o contrato se submete às normas do C.D.C. Note-se que, embora o art. 35-H da lei 9565/98 mencione a aplicação subsidiária do CDC, sua incidência, na verdade, é direta, estando o contrato sujeito não apenas à Lei 9565/98, mas também à lei consumerista.
O contrato será sempre de adesão, pois as cláusulas são pré-estabelecidas e o consumidor não tem como negociar com o fornecedor a sua modificação. Trata-se, ainda, de contrato cativo de longa duração, no dizer de Cláudia Lima Marques, porque se enquadra na:
“série de novos contratos, ou relações contratuais que utilizam os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: a posição de ‘catividade’ ou ‘dependência’ dos clientes, consumidores”.
Trata-se, ainda, de contrato de trato sucessivo e oneroso, em que a prestação dos serviços é feita por terceiro, e não diretamente pelo contratado (a prestação do serviço é feita pelo médico, pelo hospital, pelo laboratório credenciado, ou mesmo por rede própria do contratado, que apenas administra esta prestação dos serviços).
O contrato de plano de saúde pode ser, ainda, coletivo ou individual, e pode adotar a modalidade de autogestão. Todas as hipóteses, porém, se sujeitam às normas do CDC e são reguladas pela Lei 9565/98, sujeitando-se, igualmente, ao poder regulamentar da ANS.
Os reajustes possíveis
Em todas as modalidades de contrato de plano de saúde, o reajuste pode ser anual, atuarial ou por mudança de faixa etária. Os dois primeiros visam a atualização das mensalidades com base no aumento dos custos da operadora, seja pela inflação (aumento anual) ou pela mudança de perfil de utilização do plano, o que gera alterações no risco transferido à operadora (aumento atuarial). O terceiro igualmente se vincula ao risco, na medida em que é fato notório que, quanto maior a idade, maior a probabilidade de utilização de serviços médicos e, portanto, maior o risco assumido pela operadora com variação, portanto, da equação atuarial que orienta a formação dos custos das operadoras e seguradoras.
O objetivo, aqui, é verificar em que circunstâncias este último reajuste é válido. Ainda citando Cláudia Lima Marques, “só deve ser possível o aumento ou reajuste geral por faixas que não seja objetivo, específico ou por sinistralidade, e sim um aumento do risco abstrato de doenças”.
Tal reajuste não é, portanto, inválido a priori. Ao contrário, é válido e atende à natureza do contrato, tanto que autorizado pela Lei 9.656/98, em seu art. 15, o qual se aplica prevalecendo sobre o C.D.C., vez que em relação a este é norma especial, reguladora de uma espécie de contrato de consumo. O C.D.C. incidirá como sobrenorma, de forma que seus princípios e regras se aplicam igualmente ao contrato, tanto diretamente, como em conjunto com as normas específicas da Lei 9656/98 e ainda na interpretação das normas contratuais.
Assim, considerando-se os requisitos do art. 15 c/c 16, IV da Lei 9.656/98 e os princípios do Código de Defesa do Consumidor, pode-se afirmar que a validade da cláusula que estabeleça o reajuste pressupõe:
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a) Previsão expressa no contrato inicial, com indicação dos percentuais de reajuste para cada faixa etária. |
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b) Que desta(s) cláusula(s) se dê ciência prévia ao usuário do plano, sendo ônus da operadora comprová-la. |
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c) Que a cláusula esteja grafada com o devido destaque e em termos que facilitem sua compreensão, tornando-a de fácil visualização para o consumidor. |
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d) Que os percentuais fixados atendam a critérios de razoabilidade, de modo a evitar que a prestação do consumidor seja desproporcional, colocando o fornecedor em vantagem excessiva, hipótese em que incidirá o disposto no art. 6º, inc. V, do CDC.
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e) Não esteja caracterizada a exceção prevista no parágrafo único do art. 15 da Lei 9.656/98 (consumidor com mais de 60 anos de idade e mais de 10 anos de contrato).
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Para se concluir, assim, pela validade ou não da cláusula contratual que estabelece o reajuste por mudança de faixa etária , há que se verificar em cada caso concreto se estes requisitos de validade foram atendidos. A resposta negativa a qualquer deles acarreta a invalidade da cláusula, quer por força do art. 15 da Lei 9656/98 (itens a e e), quer por força das normas do CDC, autorizando o julgador, portanto, a afastar a aplicação da cláusula que estabelece o reajuste, por meio de sua nulidade, ou a modificar o percentual aplicado, considerando-se a natureza do contrato e a necessidade de manutenção do equilíbrio contratual, o qual exige, entre outras condições, a equivalência das prestações devidas por cada contratante.
Em resumo, ao julgador restam as seguintes possibilidades no momento de decidir:
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-declarar nula a cláusula que prevê aumento em função da faixa etária, limitando os aumentos possíveis ao reajuste anual do contrato, com percentual fixado pela ANS; |
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-reconhecer a validade da cláusula, mantendo-a tal como contratada; |
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-reconhecer a legalidade da cláusula, mas também a conseqüente onerosidade excessiva do percentual aplicado (o que se verifica caso a caso, de acordo com as condições do consumidor) e excluir o aumento, ou reduzir o percentual, com base no princípio da razoabilidade. |
Há, ainda, um outro aspecto a se destacar, que é a vigência do Estatuto do Idoso, estabelecido pela Lei 10741/2003 e que em seu art. 15, § 3º, determinou que “é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. A ANS, visando adequar os contratos à nova realidade legal, editou a Resolução RN 63, em 22/12/2003, e estabeleceu 10 (dez) faixas, sendo a última a partir de 59 anos . Limitou a variação entre a 1ª e a última a 500%. A distribuição do reajuste entre as faixas etárias ficou a critério das operadoras, mas os reajustes aplicáveis às 4 últimas (da 7ª à 10ª) faixas não podem somar mais do que os aplicáveis da 1ª à 7ª faixas. Assim, os idosos ficam isentos do pagamento de reajustes por mudança de faixa etária. Contudo, a aplicação desta resolução somente se dá sobre os contratos celebrados a partir da vigência da lei 10741/2003, na medida em que suspenso o art. 35-E da Lei 9656/98, por liminar deferida na ADIN 1931, afastando-se sua incidência sobre os contratos anteriores à Lei 9656/98.
Desta forma, a legislação aplicável aos reajustes por mudança de faixa etária assim se resume:
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- Contratos anteriores a Lei 9656/98: decide-se com aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A Lei 9656/98 incide de modo indireto, como orientação para a interpretação do contrato.
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- Contratos posteriores a Lei 9656/98: decide-se com base no art. 15 da Lei 656/, em leitura conjunta com o Código de Defesa do Consumidor.´
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- Contratos posteriores ao Estatuto do Idoso: aplicam-se o art. 15 da Lei 9656/98, o Código de Defesa do Consumidor e a RN nº 63/2003.
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Conclusão
Os reajustes por mudança de faixa etária são necessários à preservação da equivalência das prestações devidas pela operadora dos planos de saúde e pelo consumidor, na medida em que há efetivo aumento do risco assumido pelo fornecedor, já que os problemas de saúde são proporcionais ao aumento da idade, abstratamente considerado.
Contudo, devem se manter em limites de periodicidade e de percentuais que não inviabilizem a manutenção do vínculo contratual, sob pena de grave violação do equilíbrio contratual imposto pelos princípios estabelecidos no CDC.
Assim, é de grande relevância a atuação do Poder Judiciário no restabelecimento do equilíbrio contratual violado por reajustes fundados em cláusulas nulas, ou, ainda, estabelecidos em percentuais que importem em excessiva onerosidade ao consumidor.
Bibliografia
- MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2002.
- BOTTESINI, Maury Ângelo. MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2005.
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