NOTIFICAÇÕES EXTRAJUDICIAIS
REGIME JURÍDICO DAS NOTIFICAÇÕES NO SISTEMA DE
REGISTRO
DE TÍTULOS E DOCUMENTOS
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Se
você não mudar a direção, terminará exatamente onde partiu.
(Provérbio chinês) |
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Autor:
Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo
Juiz de Direito aposentado. Professor de Direito Civil da
EMERJ. Delegatário Titular do 4º RTD, Comarca da Capital/RJ.
Presidente do IRTDPJ/RJ.
Publicação autorizada
por especial deferência da Revista da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ -
www.emerj.jr.gov.br - extraída do vol. 9-2006, nº. 35, págs.
121-135.
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I. IntroduÇÃO
Uma
abordagem sobre as atribuições e competências do Registro de Títulos e
Documentos - RTD -, na resenha dos artigos 127 e 129, da Lei 6.015/73
(LRP), conduz à tormentosa questão de saber-se qual o regime jurídico
das notificações extrajudiciais e demais atos de participação,
previstos no artigo 160, da referida lei.
Afaste-se a tentação quixotesca dos ideais utópicos. Longe de brandir
espadas contra moinhos de vento, a resposta que se busca oferecer terá o
condão de alterar o modo de calcular o valor legal dos
emolumentos, impondo-lhes drástica redução, a benefício do interesse
geral.
Isto
facilitará o rápido acesso de novos usuários ao serviço das
notificações, que se revela um dos mais eficazes na prevenção de
litígios reais, fazendo retornar ao Estado do Rio de Janeiro a imensa
maioria das notificações de bancos e financeiras, vergados ao favor dos
custos muitas vezes menores de outros Estados da Federação, como São
Paulo, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Ceará.
Na
disciplina vigente, à míngua de doutrina e jurisprudência, o que se
ministra, sem justificativa ou fundamentação, é o
enquadramento das notificações extrajudiciais como ato autônomo de
registro, sujeitas ao igual regime jurídico dos fatos negociais
tipificados nos artigos 127 e 129, já referidos. Tal entendimento,
porém, carece de análise técnica isenta, evoluindo a partir do
Decreto-lei 122, de 13.8.1969, do antigo Estado da Guanabara, que
primeiro dispôs sobre custas e emolumentos do foro judicial e do
extrajudicial, estatuindo que "... as diligências de notificações
serão cobradas..." com base na Tabela XV, nº. 1, aplicável aos atos dos
oficiais de justiça concernentes às citações, intimações e
notificações 1 .
Urge
investigar-se com olhos de ver.
II. Conceito: Natureza e Função das Notificações Extrajudiciais e demais
Atos de ParticipaÇÃO
Para
melhor compreender-se o regime jurídico das notificações extrajudiciais,
assimilando seu conceito, natureza e função,
convém, antes, elucidar que são modalidades de ato jurídico, em sentido
estrito, identificadas, no grau didático-pedagógico, aos chamados
atos de participação, dentre os quais vicejam, em relevância, as
intimações, interpelações, avisos, convites, solicitações, oposições,
exigências, denúncias, confissões, recusas.
Notificação, ensina Orlando Gomes2 ,
é o ato pelo qual alguém cientifica a outrem um fato que a este
interessa conhecer. Theodoro Júnior3 ,
lembrado por Alexandre Câmara4 ,
com maior especificidade, ensina que a ciência dada ao destinatário
intenta concitá-lo a que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Exemplifique-se com a alienação fiduciária em garantia: verificada a
mora do devedor, a notificação serve para comprová-la. No caso de
retificação consensual, com as modificações da Lei 10.931/2004, a
notificação informa aos confinantes e eventuais ocupantes a instauração
do respectivo procedimento administrativo, tanto podendo realizá-la os
oficiais do registro imobiliário como os de títulos e documentos5 .
A notificação pode ser do locador, informando ao locatário o seu
desinteresse na continuidade do vínculo; ou do comodante ao comodatário,
pretendendo a restituição da coisa.
O fim
da notificação extrajudicial - e que define sua natureza e
função - é obter a comprovação solene de uma certa declaração
de vontade, manifestada com o propósito de prevenir responsabilidades,
ou ressalvar direitos, ou obstar a só alegação de ignorância. Cuida-se,
em realidade, de simples participação de ocorrência ao efeito de gerar
algum resultado prático. Via de regra, o notificante busca a emenda da
mora, evitando a via judicial. Noutros casos, como na cessão de crédito,
o cedente notifica ao devedor a transmissão que lhe é útil saber; e pode
ser que o ato de notificar queira provocar um determinado comportamento
do devedor ou pessoa interessada, confundindo-se, nesse plano, à
intimação ou interpelação.
A
questão agoniza, contudo, quando se pensa a notificação extrajudicial no
sistema do Registro de Títulos e Documentos. Importa saber-se, aqui, se
a notificação extrajudicial configura ou não um ato jurídico passível de
registro autônomo ou se a melhor resposta deve ser
negativa, ao argumento de que a notificação apenas complementa
e reforça a eficácia anterior de um registro principal, que é a
sua causa determinante, parecendo mais um ato procedimental
conexo e incidental, como sugere o texto do artigo 160, citado, tanto
que manda aplicar o mesmo "processo" das notificações de registro
aos avisos, denúncias e notificações em geral.
A
solução é avançar a investigação, suscitando novas reflexões e maior
aprofundamento.
III. Exegese do artigo 160, da Lei 6.015/73, face aos artigos 127 e 129,
da mesma Lei
Urge
logo afirmar o ponto nodal: a norma do artigo 160 não deixa dúvida de
que notificação é ato derivado e uma eventualidade do
registro de quaisquer títulos, documentos e papéis, tendo, no Direito
brasileiro, a natureza de ato conexo e incidental, vinculado ou não a um
registro principal, que pode complementar nos seus efeitos
específicos. Precisamente aí o equívoco, data vênia, de
submetê-la à igual disciplina dos emolumentos cotados ao ato
principal de que se origina.
De
rigor, a decisão de notificar é direito potestativo da parte
apresentante do título, documento ou papel, sempre que quiser
cientificar do registro ou averbação as pessoas ali figurantes. Não se
trata, a bem ver, de fazer novo registro, mas de complementar
o registro ou averbação, a atender com a notificação dos
figurantes e demais interessados. A ciência dada é a de que algum
lançamento foi executado, informando aos destinatários o seu teor.
O
enunciado do artigo 160 é claro: se o apresentante requerer, o oficial é
obrigado "... a notificar do registro ou da averbação os demais
interessados...". Por isso Ceneviva, sem explicações, chama a esse
tipo de notificação de notificações de registro
6 . No fundo, o
serviço das notificações extrajudiciais, atribuído a Títulos e
Documentos, decorre da competência registral descrita nos artigos 127 e
129, sendo, nesse diapasão, não um ato de registro típico, e sim ato
procedimental, incidente e eventual, derivado do registro ou averbação.
Sua função, no sistema da Lei 6.015/73, é a de complementar
a efetividade do próprio ato ou negócio objeto de registro ou averbação.
Fossem
as notificações - como os avisos, denúncias - atos
independentes e autônomos, o seu lugar seria o texto dos
artigos 127 e 129, e nunca a norma insular do artigo 160, concebida com
o objetivo de ampliar e reforçar os efeitos do registro ou
averbação. Não bastasse isso, na sistematização da Lei 6.015/73, os
artigos 127 e 129 aparecem no título IV, Capítulo I - Das Atribuições
-, reservando ao Capítulo IV o artigo 160, que regula a ordem
do serviço.
Nem se
invoque o comando final do artigo 160, nestes termos: "Por esse processo
(sic), também poderão ser feitos avisos, denúncias e notificações
quando não for exigida notificação judicial". Nesta hipótese, inexistem
registro ou averbação; todavia, faculta-se aos interessados o favor da
notificação extrajudicial para cientificar de fato cuja ocorrência
cumpre ao destinatário conhecer. O mesmo procedimento cabe às
interpelações, exigências, intimações, recusas, em suma, todo e qualquer
ato de participação.
Seria
afrontoso imaginar-se a possibilidade de fazer registro de
registro, ou registro de notificação comum. No primeiro caso
porque o registro inicial já produziu o efeito da oponibilidade
erga omnes, independentemente da notificação requerida em
complementação; a notificação comum, simples, ou de mero fato - como
avisos, denúncias etc. - porque o seu fim é alcançar diretamente o
destinatário, provando-se a entrega pela certidão, e não,
necessariamente, pelo ato de registro, que pode consistir, nas
circunstâncias, e sem nenhum dano, num mero controle de pastas ou
fichas.
No
quadro das atribuições e competências dos RTDs, a função notificante
apresenta-se como ato procedimental peculiar ou anômalo,
jamais um ato sujeito a registro, salvo por exceção, quando o
apresentante solicitar também o registro. Esse entendimento,
reforça-o o § 1º, do artigo 160, quando regula que os certificados de
notificações ou de entrega de registros serão anotados à margem dos
respectivos registros. Ora, as certidões de entrega das notificações de
registro somente poderão ser lavradas nas colunas das anotações, no
livro próprio, à margem do registro originário. As demais notificações
serão apenas certificadas, impondo relacioná-las, malgrado, em
livro especial, ou apenas no indicador pessoal, ou ainda, em modo mais
singelo, pela abertura de fichas ou pastas de controle das
notificações, a critério do oficial registrador, visando a oferecer
aos usuários qualidade, presteza e eficiência, o que depende, por óbvio,
da organização racional do trabalho.
Nas
localidades onde houver serviço de distribuidor, como sucede no
Estado do Rio de Janeiro, a solução eficaz é encaminhar-lhe as listagens
das notificações protocoladas, ao preço de uma distribuição, sem
outro acréscimo, o que, à vista da quantidade, atenderia ao custeio das
despesas de abertura das fichas ou pastas de controle, ou, enfim, o
sistema que for implantado.
Para
tal basta a só iniciativa do oficial delegatário, isto é, sem aceno à
Fiscalização, de acordo à diretiva do artigo 41, da Lei 8.935/94.
IV. A Questão dos Emolumentos na Ordem da Lei Estadual 3.350, de
29.12.1999: Aplicação da Tabela dos Atos Comuns e a Incidência da Tabela
Específica
No
tocante ao serviço das notificações extrajudiciais, de qualquer espécie,
uma vez firmada a sua natureza de ato procedimental conexo e incidente,
derivado ou não de um registro principal, que pode complementar, a
questão evolui para saber-se qual das diversas tabelas de
emolumentos lhe é aplicável.
Os
usos fixaram-se na tabela 25, nº. 1, da Lei estadual 3.350/99, sob a
razão simplória de que notificação é registro. Mas não é. Sobra
então, em alternativa, ou a incidência da tabela16, relativa aos atos
comuns, ou à integração analógica, método autorizado pelo disposto nos
artigos 1º e 2º, da citada lei, o primeiro naquilo que ordena critérios
valorativos à fixação de custas e emolumentos.
Confirmada a existência de lacuna, a solução que se alvitra
remete à tabela 24, atinente ao protesto de títulos, por guardar maior
identidade com as notificações, ao menos no que tange a serem uns e
outros atos genéricos de participação, colhendo-se dali os emolumentos
legalmente devidos.
Tenho
me detido, faz tempo, sob prudencial reflexão, em demonstrar que as
notificações, não sendo um registro típico, mas ato procedimental conexo
e incidental, derivado ou não de um registro principal, submetem-se aos
emolumentos da tabela 16, nomeadamente ante a previsão do seu
item 11, ao especificar, sem brecha a dubiedades, a diligência da
"notificação ou intimação". Conclui-se que o silêncio da tabela
25 mais sugere coerência intra-sistemática, na medida em que seria
ilógico dispor de valores diferenciados para atos idênticos ou
assemelhados. Explico-me: para além dos RTDs, os oficiais de outras
especialidades, por exceção - v.g.,registro de imóveis -, também
podem expedir notificações7 ,
querendo parecer-me inconcebível que um mesmo ato procedimental, no
desempenho de função peculiar ou anômala, possa receber tratamento
emolumental diferente, na dependência do órgão da remessa, agravado,
perante o Registro de Títulos e Documentos, pela consideração de ato
sujeito a registro típico, enquanto que, se oriundo de Registro
Imobiliário, permaneça ao nível dos atos comuns, insuscetível de
registro ou averbação.
Recorde-se do que atrás antecipei: nas origens, o Decreto-lei 122/69
identificava as notificações aos atos dos oficiais de justiça,
determinando a cobrança de iguais emolumentos8 .
Com o advento de novas e sucessivas leis, alterando o Decreto-lei
122/69, esse tratamento inicial foi se diluindo, até o cenário da Lei
3.350, de 29.12.1999, que surpreendentemente calou sobre o
serviço das notificações, muito embora esteja situado entre as
diligências de marcado interesse geral.
Por
outro vértice, afaste-se a ortodoxia de quem recusa ao sistema de
Registro de Títulos e Documentos o exercício de função alheia à
tipicamente registrária. É consabido que os serviços notariais e de
registro compreendem, além dos livros legais, inerentes ao ofício, todo
um acervo de documentos e papéis, indispensáveis ao desempenho da
própria atividade. Cogita-se, por isso mesmo, do dever de fornecer
certidão do contido no livro do registro ou "... documento
arquivado no cartório"9 .
Na Lei 8.935/94, o artigo 30 arrola entre os deveres dos notários e
registradores "manter em ordem os livros, papéis e documentos
de sua serventia...". O artigo 46, ainda mais abrangente, sobremodo
incisivo, reporta-se a "... livros, fichas, documentos, papéis,
microfilmes e sistemas de computação...", tudo a indicar que os
registros e averbações típicos não excluem a prática de atos
conexos e incidentais, como soem ser as notificações de
registro e as notificações comuns, embora podendo coexistir,
por exceção, notificações comuns registradas10 .
Aplicável, portanto, em todos os casos, a tabela 16, nº. 11,
correspondente aos atos comuns, e nunca a tabela 25, nº. 1, por
configurar, indubitavelmente, excesso de exação,
vulnerando os oficiais delegatários, a fiscalização e os consumidores da
diligência. A tabela 25, nº. 1, até pode ser empregada, mas
excepcionalmente, se a parte requerer notificação comum registrada11.
Nessas
condições, o valor base dos emolumentos das notificações, a partir de 1º
de janeiro de 2006, no Estado do Rio de Janeiro, remete à Tabela 16, nº.
11, fixado em R$ 8,49 (oito reais e quarenta e nove centavos), com os
acréscimos de informática, digitalização, gravação eletrônica e fundo
especial, excluídas outras incidências, como aquelas ditadas pelas Leis
estaduais 3.761/2002 e 590/1982. Se existir distribuidor, tal como antes
explanado, exsurge viável cobrar-se, por documento, o valor de R$ 1,52
(hum real e cinqüenta e dois centavos)12 .
V. Missão do Judiciário em Defesa da Exação dos Emolumentos: Eticidade e
Politicidade da FiscalizaÇÃO
No
exercício da fiscalização dos registros públicos, compete ao Judiciário,
a teor do artigo 37, da Lei 8.935/94, examinar e submeter à vigilância
os atos do delegatário, ele que se sujeita aos deveres éticos do artigo
30, da citada lei, até ao zelo de considerar infração disciplinar, no
artigo 31, justamente a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos,
ainda sob a alegação de urgência.
Mais
grave, a meu sentir, é incorrer na falta de cobrar emolumentos,
indevidamente ou com excesso, a pretexto de consagrar interpretação
favorável ao erário, ignorando, como se fosse possível, a
vulnerabilidade dos usuários, consagrada no Código do Consumidor,
sem se olvidar o que é elementar em Direito Tributário: qual seja o de
que o mesmo fato gerador não pode servir de suporte a mais de um tributo13 ,
como sucederia caso se admitissem o registro principal e o registro da
notificação para complementá-lo com a cientificação direta e pessoal das
partes signatárias e demais interessados.
Considere-se que o serviço de fiscalização judiciária,
ao lado da função jurisdicional, confia aos juízes um tipo singular de
gestão em prol da sociedade em geral, cujo fim é preservar a importância
da atividade notarial e registrária, máxime em face à garantia
constitucional de proteção e defesa do consumidor14 .
Não significa desviar o Judiciário à política. Não confundir
ato de gestão, atribuído ao Judiciário, com a Administração Pública
afeta ao Executivo. A diferença consiste em que o Executivo, como o
Legislativo, instauram e dão início a processos políticos, para cobrir
os mais diversos interesses, enquanto aos juízes toca a efetividade do
ordenamento jurídico, onde tem assento, no tema das notificações
extrajudiciais, a certeza jurídica dos emolumentos.
Demais disso, ressalte-se a exigência ética do artigo 37, da
Constituição, segundo o qual a Administração Pública deve honrar, dentre
outros, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade.
A toda evidência, cumpre ao Judiciário, no plano
constitucional, tomar posição perante a questão dos emolumentos devidos
à conta dos serviços registrais, cuidando, no limite máximo da
eticidade, de conter os excessos de cobrança ou interpretações
equivocadas do tabelamento15.
Recorde-se de que o direito do consumidor é pedra angular da
ordem econômica!
Nesta
questão, como em tantas outras, merece destacar Cervantes, na voz de
Sancho Pança, o fiel escudeiro, nomeado governador da ilha de Baratária,
por certos fidalgos que desejavam rir à sua custa e que acabaram
recebendo preciosa lição quando Sancho elaborou o seu plano de governo.
Entre suas orientações uma poderia ser lema dos juízes: "não negar
justiça aos pobres, mas não a negar também ao rico se este tiver razão".
Convenço-me de que a excelência dos registros públicos, submetida ao
Judiciário, ganhará em legitimidade e eficácia se for quebrada a algema
das correições punitivas, assumindo-se o compromisso inabalável de que o
serviço que os juízes podem e devem prestar à sociedade prospera sempre
à luz de um princípio de justiça e segurança jurídica - justiça e
segurança jurídica - que são as duas faces do Bem Comum, e sem o que
nenhum sentido teria a própria fiscalização.
Não se
poderá, verdadeiramente, compreender as realidades jurídicas como se
derivassem de textos unívocos e assépticos, escritos por um mito a que
chamamos o legislador. O Direito é tudo nomeadamente ao
revés: o Direito é Direito por ser devido à personalidade de outrem, e
por ser devido a outrem deve fazer-se norma socialmente aceita e
demonstrável. Em particular, afeito ao tema dos emolumentos das notas e
registros públicos, é preciso considerar que sendo jurídica a
certeza dos cálculos, ainda que, no limite, possa suscitar correções,
insta prevalecer, de imediato, um juízo prudencial e prático,
com atenção aos interesses dos particulares de pagarem o menor
valor ou o valor mais favorável, sempre.
VI. Imperativos Éticos e Responsabilidade Civil do Registrador
Percebe-se que a função registradora não é um ato simplório como se
apregoa. Ao poder-dever de registrar títulos, documentos e papéis,
fazendo-o com independência, somam-se os deveres do artigo 30,
referido, com ênfase à observância dos emolumentos fixados para a
prática dos atos da especialidade. São poucos aqueles que têm o
privilégio de velar pela autenticidade e segurança dos negócios
jurídicos, a gáudio do Bem Comum, de sorte que cada delegatário deve ter
ciência e consciência da eticidade radical de suas
atribuições.
O
ideal da transparência é um imperativo ético da vida de relações
nesta época marcada pelo gigantismo co-existencial de massa. Eis-nos
ante uma questão ética nuclear: reclamar a publicização ou a
clarificação dos métodos de calcular os emolumentos, a salvo de
casuísmos e equívocos.
Obsequiosos à economia popular, em defesa dos consumidores, penso que a
fiscalização judiciária com os registradores vinculam-se ao rigor ético
de Kant, fundado na divisa: deves cumprir o imperativo ético, logo
podes. Ou seja, toda liberdade de agir só é válida se for para
cumprir o mandamento moral. Lembro, neste passo, a contribuição da
Revolução Francesa com a chamada "Moral da Simpatia". Realmente, bem
fiscalizar e prestar os serviços públicos pressupõe a capacidade de
colocar-se na posição do cidadão usuário. Juízes e registradores
desincumbem-se melhor, principalmente em sede emolumental, se tiverem o
sentimento, digamos quase amoroso, de situar-se "simpaticamente"
na posição do outro, isto é, das pessoas interessadas no registro, estas
que acenam, numa economia liberal, com as leis do marcado, jamais
assumindo preços irreais ou desarrazoados.
Não se
perca a fecunda idéia de que notários e registradores, com os juízes da
fiscalização judiciária, integram um formidável corpo de magistratura
- a "Magistratura da Paz Jurídica" - belíssima expressão de Monastério
Galli16 , com as
implicações de caráter moral que tamanha distinção inculca nos
marcos deônticos da própria atividade.
Ora,
se as notificações de qualquer tipo ou espécie não revestem, no sistema
da Lei 6.015/73, a natureza de ato registral, mas, sim, de ato
procedimental conexo, incidente e complementar, derivado ou não de um
registro principal, que é a sua causa, parece-me já inconcebível
a inércia de todos quantos se submetem ao imperativo ético de rever o
atual modelo de calcular os emolumentos, modelo esse que projeta o
valor de uma notificação ao patamar médio de R$130,00 (cento e trinta
reais), ainda que, sob nova e correta interpretação, não possa
ultrapassar a soma estimativa de R$ 30,00 (trinta reais).
Surge
aqui uma outra indagação: a demora da fiscalização em adequar os
cálculos exime a responsabilidade civil dos registradores? Questão
certamente polêmica. Uma resposta convincente remete à norma dos artigos
28 e 41, da Lei 8.935/94. Se no artigo 28 notários e registradores gozam
de independência no exercício de suas atribuições, no segundo são
liberados de prévia autorização à prática dos atos
organizacionais e executórios dos serviços, sendo razoável incluir, no
alcance de ambos, a autonomia para fixar emolumentos. Nem será labor da
Fiscalização elaborar planilhas de cálculos! Cumpre-lhe, ao contrário,
propor e atualizar o tabelamento legal, aplicando penalidades aos
infratores17 .
Está
na consciência social, positivada em lei a necessária responsabilização
de quem dê causa à ilicitude, seja civil, seja criminal.
Extrai-se dos preceitos acima, instruídos de dois outros - artigos 37, §
6º, da Constituição e 22, da Lei 8.935/94 - que notários e registradores
respondem por danos materiais e morais gerados ao ensejo dos serviços
que lhes são cometidos, sem prejuízo das sanções disciplinares no caso
de cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, não os eximindo a
prévia formulação de eventuais consultas deixadas de responder pela
Administração Judiciária.
Passar
do ser ao dever ser institucional, nos Registros de
Títulos e Documentos, é atualizar, cada manhã, sua base teleológica, ou
seja, a de satisfazer sua vocação - e também compromisso legal - de bem
exercer as exigências de segurança jurídica na organização das relações
privadas, abrindo espaço, nesse âmbito, à relevância social e jurídica
dos atos de participação, onde vicejam avisos, denúncias, notificações.
Não se
diga que as Instituições, como o são os registros públicos, fragilizam
na pessoa, homem ou mulher, por serem sempre um quase anjo e
demônio. Toda pessoa, em carne e osso, na historicidade das suas
vivências, debate-se entre grandeza e miséria; acerta e erra. É moral,
civilizada, digna; e pode desviar-se, com dolo ou simples lapso. Nada
obstante, será dessa pessoa, agente e titular do registro, que ganhará
estatura o dever ser dos Registros de Títulos e Documentos,
podendo ser, desde hoje, o que deve ser, ou simplesmente já não ser, ou
ser somente as virtudes e as fraquezas da Fiscalização, ou ainda abdicar
de tudo e desaparecer.
Termino com um apelo: é preciso amar com profissionalismo o
ofício registral, afeiçoado menos às suas vantagens e mais aos
seus deveres, à sua missão e aos seus fins de
garantir e certificar o Direito. É tomar e aprofundar a consciência do
dever profissional. É defender a liberdade do ofício e da função.
VII. SÍntese Conclusiva
Com
tais ponderações, a mim incontestáveis, convém afirmar-se,
conclusivamente, o seguinte:
1) No
sistema da Lei 6.015/73, capitaneado pelo artigo 160 e §§, as
notificações extrajudiciais têm a natureza de ato procedimental conexo e
incidente, derivado ou não de um registro principal, que poderão
complementar, a arbítrio do apresentante, sempre que ele queira, para
maior efetividade dos efeitos do ato negocial, fazer notificar as partes
neste figurantes e demais interessados;
2) Por
decorrência, destrava um grave equívoco, data vênia, o
entendimento de que as notificações admitem novo registro,
independentemente do registro originário, que as legitimam e do qual
derivam, como se fosse possível fazer novo registro
de registro, cada registro sujeito à incidência dos mesmos
emolumentos;
3) É
elementar, em Direito Tributário, que um só fato gerador não pode
servir à incidência de emolumentos cumulativos, ainda sob a
justificativa - e até mais grave - de fazer registro de
notificações, pois dispensável, a menos que a parte interessada, por
alguma razão insular, excepcionalmente, também queira aquilo que
poderíamos chamar de notificação registrada;
4)
Isto explica a norma do § 1º, do art. 160, além de delimitar o seu
sentido e alcance: as certificações das notificações de registro devem
ser lavradas na coluna das anotações, no Livro competente, à margem dos
respectivos registros, a saber, aqueles registros que lhes
serviram de fundamento, autorizando sua expedição;
5) No
caso de avisos, denúncias, notificações comuns, simples,
ou de mero fato, bem como de todo e qualquer ato de participação
- intimações, convites, interpelações etc. - impõe
adotar-se, acorde ao comando do art. 160, parte final, o mesmo
procedimento das notificações de registros. Equivale dizer-se:
para essas notificações, à falta de prévio registro onde lançar
os certificados de entrega, a solução é criar ficha ou pasta
especiais de controle, nos termos como permite o art. 41, da Lei
8.935/94;
6) O
que não é crível, nem razoável, é pretender-se a feitura de registro
autônomo para notificação de registro, por se tratar de mero ato
procedimental, derivado ou não do referido registro, que lhe serve de
causa. Compreenda-se o artigo 160, da Lei 6.015/73, como norma
pontual: não cabe registrar notificação de registro e nem quaisquer atos
de participação, assim avisos, denúncias, notificações comuns. É que, no
primeiro caso, já há um registro prévio; no segundo, todo o efeito
jurídico obtém-se ao cumprir a entrega da carta aos destinatários, sendo
irrelevante e até inútil, na maioria das vezes, a eficácia erga
omnes inerente à publicidade registral, e que se pode perpetuar,
nas circunstâncias, pelo só lançamento em pastas ou fichas de controle;
7) É
missão do Judiciário, no desempenho da Fiscalização que lhe confia a
Constituição da República, agir com a maior diligência para conferir
certeza jurídica aos cálculos de emolumentos, não
significando isso, no entanto, que tenha o dever primário de elaborar
algum cálculo, ainda ao ensejo de consultas, sabendo-se que o ato
de elaborar cálculos de emolumentos é tarefa própria da independência
de notários e registradores;
8) A
independência dos oficiais de registro, consignada nos artigos
20, 21, 28 e 41, da Lei 8.935/94, reclama aplicarem-se de plano, no
Estado do Rio de Janeiro, para o serviço das notificações, os
emolumentos da Tabela 16, nº. 11, anexa à Lei estadual 3.350/99, com os
acréscimos de informática, digitalização, gravação eletrônica, fundo
especial, e o distribuidor, onde houver. Insistir na cobrança dos
valores ora em curso, ao argumento de atender à Fiscalização Judiciária,
configura um sofisma, na medida em que esta, em instante algum,
ofereceu qualquer critério vinculativo de cálculo, circunstância
que impõe a responsabilidade pessoal do registrador flagrado em ilícitos
emolumentais.
NOTAS DE RODAPÉ
1 Cfr. Tabela XI, Campo Observações, 3ª, verbis: "Para
as diligências de notificações serão cobradas as custas do n. 1
da Tabela XV". Os valores da época, fixados em UFEG, estavam assim
discriminados: a) no centro da cidade... 0,06; b) em zona urbana...
0,15; c) em zona suburbana... 0,18; d) em zona rural, mar e ilhas...
0,24; e) com hora certa, sobre as taxas das alíneas "a", "b", e
"c" mais 0,05. Por sua aplicação, anote-se ainda a 2ª observação lançada
à Tabela XV, a saber: "as citações, intimações, notificações,
feitas no mesmo local e à mesma hora, de marido e mulher, de menores e
seus pais ou tutores, quando estes representados ou assistidos, serão
contados como de uma só pessoa" (grifei).
2 Introdução ao Direito Civil. Atualizador: Theodoro Júnior.
Rio de Janeiro, Forense, 15ª ed., 1998, p. 256. Para melhor precisão
conceitual, tenha-se, com o mestre baiano, que intimação é o ato
de participar a outrem a intenção de exigir-lhe certo comportamento,
assumindo freqüentemente a forma de interpelação. Oposição
é ato de impugnação da realização de ato futuro; aviso é ato pelo
qual uma pessoa participa a outrem que determinado fato já ocorreu, ou
que ocorrerá, em certo prazo; confissão é declaração de verdade
contrária aos próprios interesses.
3 Curso de Direito Processual Civil,
v. II, p. 519.
4 Lições de Direito Processual Civil,
v. III. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 201 e ss.
5 Cfr. artigo 213, II, §§ 2º e 3º, da LRP, com a nova redação
ditada pela Lei 10.931/2004.
6 Lei de
Registros Públicos Comentada, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 292.
7 Mencione-se, a exemplo, o artigo 49, da Lei 6.766/79, sobre
o parcelamento do solo urbano, e o artigo 26, § 3º, da Lei 9.514/97, que
instituiu o sistema da alienação fiduciária de coisa imóvel. Nesta
última, o § 3º, referido, insere até a via postal como idônea ao
cumprimento das notificações.
8 Cfr.
Introdução, nota n. 1.
9 Cfr. Art. 18
da Lei 6.015/73.
10 Definitivamente, no caso das notificações de registro,
afigura-se incompatível ao sistema, nos termos como disciplina o art.
160, da Lei 6.015/73, a admissibilidade de fazer registro de registro.
11 Cfr. Item III, supra.
12 Cfr. Portaria CGJ 2828, de 29.12.2005, Tabela 4.
13 Os emolumentos do foro extrajudicial têm natureza de taxa.
Conserva-se firme essa posição desde o E.STF.
14 O Código do Consumidor assegura aos usuários de
serviço público o direito à proteção dos seus direitos em face da má
execução, equiparando, expressamente, o usuário ao consumidor (cfr. Artº
6º, X). O artº 22, por seu turno, considera fornecedor, além dos órgãos
públicos, os concessionários, permissionários, "... ou sob qualquer
outra forma de empreendimento", impondo-lhes a obrigação de fornecer
serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
15 A Lei 3.350/99, ciosa dessas iniciativas, ordena, no seu
artº 6º, § 2º, a manutenção de serviço de atendimento ao público, para
consultas e informações sobre custas e emolumentos.
16 Cf. Ricardo Dip, Registros Públicos. Campinas,
SP: Millennium editora, 2003, p. 195.
17 Cfr. Lei 3.350/99, artigos 7º a 9º.
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