TUTELA E ADOÇÃO REMUNERADAS
(Auxílio Financeiro por Lei Estadual)
|
|
Autor :
Décio Xavier Gama
Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Diretor
da Revista da EMERJ
Publicação autorizada por especial deferência da Revista da
Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ -
www.emerj.jr.gov.br-extraída da Edição Especial do vol.10 /2007,
págs. 166 -177. |
A
recente Lei do Estado do Rio de Janeiro, nº 3.499/00, publicada no D. O. de 8 de
dezembro de 2000, estabelece que será concedido "auxílio-adoção" a servidor
público estadual que acolher criança ou adolescente "egresso de entidade de
atendimento", mediante guarda, tutela, ou adoção,na forma
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). Esse benefício será
concedido em valores equivalentes a salários mínimos, de 3 a 5, conforme a idade
da criança, e deve ser pelo valor máximo, se tratar de menor ou adolescente
portador de deficiência ou doença grave.
As
três situações diferentes de acolhida do menor credenciam o funcionário do
estado a receber o benefício estadual sob denominação única de auxílio-adoção,
visando estimular pessoas ou casais a participar na solução do problema de
crianças que, assistidas pelo estado, se acham longe da presença dos pais, de
qualquer forma ausente o pátrio poder. Os objetivos da lei, portanto, foram os
de retirar as crianças das casas de acolhimento para lhes dar criação no seio
de uma família, mediante um subsídio.
Contudo, criou-se o auxílio apenas para funcionário público estadual em
detrimento de direito idêntico de outras pessoas aptas a receberem o benefício.
Não deveriam ser excluídas, outras categorias sociais, que se oferecessem para
colaborar na solução de problemas da criança desamparada. A vantagem é de
caráter genérico e deve aproveitar a todos que preenchem as condições objetivas
previstas na lei. As condições pessoais de criação do menor cabem ao Juiz
definir para o deferimento da medida, mas a igualdade de direitos perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, deveria ser observada (art. 5º, da
Constituição Federal).
Por outro lado, a mencionada
lei estadual, não andou bem em conceder o mesmo auxílio para as três situações
diferentes de acolhida. O subsídio, ou auxílio, somente para a guarda, já
se acha previsto em sede legislativa própria, que é a da lei civil
federal. Para a tutela é o Código Civil taxativo em dizer que deve ser
voluntária e gratuita. Bastaria que a lei baixasse a regulamentação do
benefício para a guarda e previsse a fonte de custeio orçamentário para
respectiva despesa. Contudo, no tocante à extensão do benefício, o art. 34 do
Estatuto da Criança e do Adolescente admite que seja instituído apenas para a
guarda: ...
"O
Poder Público estimulará, através de assistência jurídica, incentivos
fiscais e subsídios,
o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão,
ou abandonado".
Igualmente
assim, dispõem as Constituições do Estado do Rio de Janeiro (art. 54)
e da União Federal (art. 227, § 3º, VI). |
No tocante à tutela e à
adoção, a lei civil (Cód. Civil e o ECA) não prevê as suas concessões senão
mediante os cuidados e a responsabilidade da especialização de hipoteca (art.
37) no caso de tutor, e com a irrevogabilidade e o caráter de permanência (art.
48), no caso de adoção. Para a tutela já o Código Civil é específico
e incisivo:
"Os menores abandonados
terão tutores nomeados pelo juiz, ou serão recolhidos a estabelecimentos
públicos para esse fim destinados. Na falta desses estabelecimentos,
ficam sob a tutela das pessoas que, voluntária e gratuitamente, se
encarregarem da sua criação" (art. 412).
|
Esse
dispositivo de lei, não foi revogado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao contrário, o ECA, que dispõe sobre a tutela em três artigos, é explícito em
determinar que a medida será deferida "nos termos da lei civil" (art.
36).
Na
adoção, por maioria de motivos, também não se concebe a idéia de ser efetuado
algum pagamento para os adotantes, como se acha implícito na lei federal, desde
a introdução do instituto em nosso sistema jurídico (Código Civil, 1916). A
condição de filho adotado atribui à criança ou adolescente os mesmos direitos e
deveres, inclusive sucessórios, que têm os naturais e os biológicos (art. 41, do
ECA). Se assim não fosse estariam sendo deferidos direitos diversos para duas
classes de filhos: os biológicos, que não ensejariam subsídio para os pais e os
adotados, que permitiriam aquele auxílio. Os adotados ostentariam, portanto, a
marca de que os seus pais eram remunerados para tê-los.
A
Constituição de 1988 baniu, no entanto da legislação, qualquer diferença entre
filhos de qualquer natureza quanto a direitos e qualificações (art. 227).
A
própria disposição do casal ou da pessoa para aceitar a condição de tutor ou de
adotante tem enorme diferença daquela com que se apresenta o homem ou a mulher
para aceitar o encargo de simples guardião do menor. A tutela é de nomeação dos
pais ou avós em testamento ou, na sua falta, é atribuído o encargo a parentes
consangüíneos do menor, em gradação legal. Nesse caso, da mesma forma como na
adoção, não pode haver interesse financeiro por parte dos que se apresentam para
o acolhimento do menor.
Ocorre, ainda, que, no sistema jurídico e hábitos do Brasil, se busca uma
situação permanente, em que a escolha da criança é procurada e esperada pelos
adotantes, como se fosse seu próprio filho. O adotante visa a uma perfeita
integração da situação de filho sem qualquer distinção com os irmãos já
existentes ou que possam a vir a existir. Essa busca de integração completa,
essa quase ânsia ou expectativa dos adotantes de receber um filho de outrem como
próprio, na forma da lei, mostra que, para os adotantes, não se fazia mister
criar qualquer auxílio do poder público, sendo mesmo fora de propósito
equiparar o instituto da adoção às outras duas modalidades de família
substituta, para fins de concessão de ajuda financeira.
Bem
diversa é a situação da pessoa que se dispõe a colaborar na guarda de
criança que se acha em "casa de acolhimento". Aí é que se pode imaginar até
mesmo haver remuneração pelo trabalho, como prevê o art. 34, do ECA. A guarda
tem a grande vantagem de regularizar uma situação de fato, em regra
preexistente, a de obrigar à prestação de assistência material, moral e
educacional da criança, bem como de conferir-lhe representação e a condição de
dependente para todos os fins de direito, inclusive previdenciário (art. 33º e
§§).
A
vinculação dos adotantes é mais profunda com o menor que a da simples guarda, ou
da tutela. Os adotantes têm a iniciativa na adoção e grande é o interesse que
manifestam, no caso, em receber o menor como se fosse seu filho. No caso da
tutela, a aceitação do encargo de tutor decorre mais dos laços de parentesco com
o tutelado na ordem prevista no art. 409 do Cód. Civil. Para se admitir a
hipótese de tutela da lei estadual, somente na falta de tutor testamentário ou
de parente consangüíneo, na ordem legítima, poderia a criança ser confiada a
particular para se incumbir, como tutor, voluntária e gratuitamente, de criá-la
e educá-la (art. 412 do C.C.).
Na
simples guarda não se inicia um estágio de convivência do menor com o seu
guardião, como ocorre na adoção que é irrevogável. Não podem adotar os
ascendentes e os irmãos do adotando (art. 42 do ECA), mas na tutela os parentes
têm total prevalência para assumirem o encargo.
Na
tutela, se procura dar à criança uma representação legal e se pressupõe também a
prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder, o que não ocorre com a
guarda.
A
conseqüência dessa situação de irrevogabilidade da adoção e da vinculação do
adotado à condição mesmo de filho dos adotantes para todos os efeitos de direito
e, ainda, de até um prévio estágio de convivência da criança ou adolescente é
que o instituto não se coaduna com a idéia de pagamento de um subsídio pelo
Estado em razão de o casal ter adotado uma criança.
Nada
disto acontece com a simples guarda. Ali o interesse é de simples proteção do
menor e a medida, a cargo do Juiz da Infância e da Adolescência, tem o objetivo
de deslocar o amparo do menor em situação de carência, das mãos do Estado, ainda
que em situação temporária, para o seio de uma família, na sua expressão mais
ampla.
Notas de
Rodapé
* Publicado na Revista EMERJ nº. 13, v. 4, 2001.
Nunca é demais
acrescentar, contudo, que, as pessoas dispostas a colaborar com a assistência a
menores carentes, se o fazem pensando em adoção ou mesmo tutela, estão mais na
expectativa de encher a própria família de encanto, beneficiando-se da presença
de um novo ser como filho. Aspiram antes, com ou sem filhos biológicos, a
dedicar-se a ter filhos de outrem como se fossem seus, ainda que por tutela ou
adoção.
|