I. Introdução
Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e promovida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, com apoio do Unicef, restou constatado que 86,7% das crianças e adolescentes abrigados têm família.
Trata-se de abandono não regularizado que, por diversos motivos, justificados ou não, impedem que a criança seja colocada em família substituta, surgindo a era do “Boom” dos abrigos, sem perspectiva próxima de solução.
Com a criação das Varas Regionais da Infância e Juventude, de grande valia para a Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, surgiu controvérsia a respeito da fixação da competência destes juízos em processos que envolvam crianças ou adolescentes abrigados e com pais vivos: o local da residência dos pais X o local onde se encontrar a criança.
Para uma conclusão técnica e justa (legal e legítima), o presente trabalho visa abrir os olhos (e o coração) do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro para que processos que envolvam crianças abrigadas tenham seu trâmite na esfera de competência mais próxima da parte mais fragilizada, que não a escolheu pelo abandono não regularizado, e que, por isso, foi condenada a passar sua infância privada de seu direito constitucional à convivência familiar e comunitária.
II. Dos critérios gerais de COMPETÊNCIA
Para que o processo exista, é necessário haver um órgão investido de jurisdição; para que seja válido, é preciso que este órgão tenha competência para a causa.
A competência pressupõe uma distribuição de funções, na medida em que traça uma linha divisória em torno de cada órgão jurisdicional, com exclusão dos demais. Assim, pode-se dizer que a jurisdição consiste no poder de julgar, que todo juiz tem, ao passo que a competência é o poder de julgar determinado caso.
A Lei processual estabelece o critério da exclusão para a fixação da competência, tendo como primeira etapa a questão da competência internacional, que por exclusão fixa-se a competência do território nacional; como segunda etapa passa-se a perquirir a competência da justiça especial (Justiça do Trabalho, Eleitoral, Militar – art.114,121, e 124 da CF), que por exclusão, fixa-se a competência da Justiça comum estadual ou federal; e, posteriormente, afastada a competência da Justiça Federal (art.125, 122 e 119 da Constituição da República), fixa-se a competência da Justiça Estadual, que é residual.
Uma vez fixada a competência tanto da Justiça Estadual como da Federal, o Código de Processo Civil adota três critérios fundamentais para definir o âmbito de atuação jurisdicional: o critério territorial (ratione loci); o critério objetivo (ratione personae, racione materiae e racione valoris); e, por último, o critério funcional, aqui inserida a competência hierárquica.
A desobediência aos critérios relacionados, implicará incompetência do órgão judicial que pode ser absoluta (em razão da matéria, da pessoa e a competência funcional), ou relativa (em razão do valor e do lugar - salvo art. 95 do CPC). Neste último caso, com possibilidade de ocorrer a prorrogação da competência em caso de o réu não propor a exceção declinatória da competência (art.114 do CPC).
Com a criação das Varas Regionais dentro das Comarcas, pelas leis de organização judiciária, visando à melhora do acesso dos jurisdicionados, principalmente da parte mais fragilizada na relação jurídica (o consumidor, o segurado, o idoso, a criança e adolescente), doutrinadores passaram a questionar a natureza jurídica da competência tendo em vista as diversas conseqüências no caso de ser absoluta ou relativa.
Prevaleceu o entendimento que classifica a distribuição da competência entre os juízos do mesmo foro como divisão funcional, por força de tratar de organização e funcionamento dos órgãos jurisdicionais da comarca e, por isso, de ordem pública. Esclarece Sérgio Ricardo Arruda Fernandes: “o aspecto territorial é meramente secundário, porque não discute a competência do foro (esta sim, em regra, relativa), mas a competência do Juízo (ditada por normas funcionais, previstas nas leis de organização judiciária.” 1
Neste sentido a Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro editou o enunciado XXVII, segundo o qual, “em sendo absoluta a competência das varas regionais, não se argúi a incompetência por via de exceção.” 2
Esse o entendimento predominante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 3.
III. A fixação da Competência de Foro e de Juízo sob o enfoque do “melhor interesse” da Criança e do ADOLESCENTE
Esclareça-se, inicialmente, que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina os seguintes critérios de competência: competência em razão da matéria (Art. 148 c/c art. 98- ECA), em razão do lugar (art.147-ECA), e a competência funcional (art.146-ECA)4.
Sabemos que todas as regras descritas na Lei 8.069/90 (ECA) devem ser lidas sob a luz do princípio da “prioridade absoluta” da criança e do adolescente por força de disposição constitucional (art. 227 da CR)5 e legal (art. 6° do ECA)6.
Assim, nos casos em que houver conflito entre a competência do local da residência dos pais, e do local do abrigo onde se encontra a criança, deverá o intérprete da lei identificar em qual Comarca ou Juízo beneficiará com maior eficácia o direito da criança ou adolescente.
Sob este enfoque pode-se afirmar que o princípio da “prioridade absoluta”, o da “Doutrina Jurídica da Proteção Integral”, bem como o do “Melhor interesse da criança”, destinam-se não só a regras de direito material, mas também às de direito processual.
Desta forma, as regras processuais de competência devem se subsumir aos princípios e regras de proteção à criança e ao adolescente, levando ao entendimento de que acima dos critérios de competência geral e especial, está o valor jurídico de cuidar do direito infanto-juvenil de forma a priorizar seus direitos sobre qualquer outro que a ele se contraponha. Assim é, porque a Carta Maior determina.
Nesta linha de raciocínio, pode-se afirmar que mesmo a competência fixada pelo critério territorial, de natureza relativa com a possibilidade da prorrogação da competência caso não argüida via de exceção, poderá revestir-se de natureza absoluta visando afastar o foro ou juízo prejudicial ao interesse da criança ou adolescente.
Feita a digressão, passa-se à análise de questões práticas correspondentes ao tema:
1ª) Em caso de criança abrigada na Comarca da Capital do Rio de Janeiro com pais residentes em outra Comarca, qual o foro competente para julgar causa que envolve a criança e o adolescente?
2ª) Em se tratando de criança abrigada na Comarca da Capital do Rio de Janeiro, sendo que os pais residem na região de abrangência do foro regional, ambos na mesma Comarca. Qual o juízo competente para julgar causa envolvendo a criança?
3ª) Em caso de processo já instaurado na Comarca da Capital e posterior criação das Varas Regionais da Infância Juventude e Idoso, ocorrerá o fenômeno da perpetuacio jurisdicionis?
Estas são algumas questões de extrema relevância para as quais se passa a análise sob o enfoque do melhor interesse da criança e do adolescente, em conformidade com o entendimento anteriormente desenvolvido.
Na primeira hipótese, trata-se de competência territorial, ou de foro, de onde se aufere qual a comarca competente para julgar a causa. Assim, recorre-se ao ECA (art.146), que, conforme visto, deve ser interpretado de acordo com as normas de proteção à criança. Sendo assim, se prevalecer o entendimento que fixa a competência no local de residência dos pais da criança abrigada, por estarem vivos e em local conhecido, estar-se-á priorizando o interesse dos pais ao interesse da criança. É o órgão do Ministério Público do local do abrigo quem deve fiscalizar a ausência dos pais, o bem-estar da criança abrigada, criando meios para a defesa dos direitos da criança e do adolescente abrigados, mesmo que com pais vivos, desde que omissos.
De acordo com o Juiz Titular da Vara da Infância e Juventude da Capital de São Paulo7, entendimento diverso levaria à absurda situação de fato corriqueiro em São Paulo, em que inúmeras famílias chegam do Nordeste para tentar a sorte, deixam seus filhos nos abrigos e voltam para o local de origem. “A competência para cuidar da criança abrigada em São Paulo é do foro de São Paulo, e não do Estado onde se encontram os pais, mesmo que forneçam seus endereços residenciais”.
O mesmo ocorre com relação à competência no mesmo Estado em Comarcas diversas, por se tratarem do mesmo critério de fixação da competência.
Desta forma, conclui-se que a competência territorial vista sob o ângulo da proteção da criança e do adolescente cede espaço à regra de competência especial e torna-se de natureza absoluta, tendo em vista que o aspecto do lugar deve se compatibilizar com a interpretação mais favorável ao infante.
Na segunda hipótese, a dúvida se limita aos juízos distribuídos dentro da mesma Comarca e resta claro tratar-se de competência funcional, e, portanto, absoluta. Neste caso, diferente da terceira hipótese, trata-se de competência inicial para o ajuizamento da ação. Sobre esta questão, vale esclarecer que há entendimento que prioriza o juízo mais próximo da residência dos pais, sob o argumento de que só seria competente o Juízo do local do abrigo onde se encontra a criança no caso de morte ou desaparecimento dos pais. Seja lá qual for o argumento, não deve prevalecer este entendimento.
O Juízo competente para apreciar a causa envolvendo criança abrigada é o mais próximo do local onde se encontra a criança, tendo em vista que, conforme item específico abordado neste artigo, não há como compatibilizar pais presentes com o filho residindo em abrigo. Se não estão presentes, estão em falta, e por este motivo, fixa-se a competência do local onde se encontra a criança (art.146,II do ECA). Este o entendimento que se compatibiliza o ordenamento jurídico de proteção à infância e juventude.
Com relação à terceira hipótese, a Jurisprudência oscila quanto à redistribuição de ações no caso de posterior criação de Foros Regionais. Há quem sustente pela aplicação do Ato Executivo Conjunto nº 05/2003, do TJ/RJ que veda a redistribuição de ações anteriormente ajuizadas. 8
Em oposição ao entendimento acima exposto, sustentam que o ato executivo mencionado viola o princípio da legalidade, tendo em vista que, por se tratar de competência absoluta, não há que se admitir a prorrogação da competência. 9
Sobre a competência das Varas Regionais da Infância, da Juventude e do Idoso, importante frisar que o Código de Organização Judiciária do Estado do Rio de Janeiro prevê, expressamente, que a competência do Juízo da Capital será exercida até que se instalem as Varas Regionais de igual competência. 10
Para o presente trabalho, o critério de avaliação para saber sobre a redistribuição da ação ou a prorrogação da competência, nos casos específicos de posterior criação de Foros Regionais, encontra parâmetro no melhor interesse da criança. 11
Portanto, se a criança estiver em abrigo localizado na região do Foro Regional, a ação deve deslocar-se para o Juízo recém instalado, por força de regra específica do ECA que deve ser lida e interpretada à luz da proteção integral da criança e do adolescente.
Para encerrar este item, conclui-se que tanto em hipóteses de competência territorial (relativa), como funcional (absoluta), vale perquirir antes de tudo qual dos locais ou juízos a criança será mais bem atendida, em regra, no local próximo ao abrigo onde a criança se encontra. 12
Atente-se que a competência da Justiça da infância e da Juventude não se subsume ao conceito de “julgar a causa”, mas também e, sobretudo, de cuidar daquele ser em formação desprotegido pelas circunstâncias da vida, visando garantir o exercício dos direitos constitucionais elencados no art. 227 da CF, pelo qual o constituinte ordenou o tratamento com prioridade absoluta.
IV- Domicílio e residência como determinantes da competência territorial
O Direito Fundamental à Convivência familiar e comunitária previsto expressamente na Constituição Federal se reporta ao conceito de “domicílio” expresso no Código Civil de 2002.
O domicílio da pessoa é identificado como “o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70-CC), fixando o art. 73-CC como critério básico a “residência habitual”. A idéia de permanência é essencial para a caracterização do domicílio da pessoa natural.
Ensina Caio Mário da Silva Pereira que devem ser conjugados dois elementos: um material externo (a residência) e outro psíquico interno (a intenção de permanecer), levando à conclusão de que “não é qualquer residência que faz o domicílio, porém a residência definitiva, cabendo à análise das circunstâncias dirimir eventuais dúvidas”, pois “a importância da intenção está nas suas repercussões exteriores”.13 Conclui o mesmo autor: “no terreno puramente civilístico, diz-se que o domicílio é o lugar de exercício dos direitos e cumprimento das obrigações, no sentido da exigibilidade.14
Tratando-se de incapaz, o domicílio é “necessário” vinculado sempre ao representante ou assistente (parágrafo único do art. 76-CC). O conceito de domicílio necessário se vincula à idéia de dependência e obrigatoriedade.
Este foi o critério adotado pelo “Estatuto” ao determinar no art. 147-ECA que a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsável.
Em nome do “melhor interesse da criança” e da necessidade de seu pronto atendimento na companhia de qualquer dos pais aplica-se, como regra o “princípio do Juízo imediato” que oferece proteção jurisdicional mais rápida, eficaz e permanente. Assim entendeu o TJ/SP ao reconhecer que “o interesse dos menores reclama tratamento preferencial, sendo de rigor facilitar-lhes o acesso à tutela jurisdicional, sobrepujando-se à não menos lícita regra da perpetuatio jurisdictionis”. 15
Este foi, também, o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao julgar em 27 de fevereiro de 2008 o Conflito Positivo de Competência (CC-78806 - GO) “para a solução de controvérsia estabelecida sobre a guarda de menor, uma vez ter sido ajuizada pela mãe, em seu domicílio, ação de modificação de guarda, enquanto o genitor propõe ação de busca e apreensão da filha na comarca onde reside e exerce a guarda. A Seção reiterou entendimento no sentido de que, em se tratando de menor, compete ao juízo do domicílio de quem já exerce a guarda a solução da demanda, segundo o disposto no art. 147, I, do ECA. No caso, havendo objeto comum entre as duas lides, devem ser as ações reunidas e julgadas pelo juízo suscitado, o qual, além de prevento, localiza-se onde reside o genitor que detém a guarda”, destacou o Ministro Fernando Gonçalves. 16
A regra do inciso I do art. 147-ECA guarda coerência com o § 7º do art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil ao estabelecer que: “salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe de família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. Se os pais estão apenas ausentes, mas tinham domicílio certo, neste se fixará o juízo competente. 17
Não estando a criança ou adolescente na companhia dos pais ou responsável, mais uma vez nos reportamos à Lei de Introdução do Código Civil ao determinar no § 8º da art. 7º que “quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar da sua residência ou naquele em que se encontre”. Também o art. 73-CC considera que na falta da residência habitual o domicílio da pessoa natural é o do lugar em que for encontrada. A lei processual corrobora tal entendimento ao afirmar no § 2º do art. 94-CPC que “sendo incerto e desconhecido o endereço do réu ele será demandado onde for encontrado”.
À falta dos pais ou responsável, o inciso II do art. 147- ECA determina que a competência seja do “lugar onde se encontre a criança ou adolescente”. Há que se investigar o que pretendeu o legislador estatutário ao fixar tal condição para identificar a competência territorial.
Cabe destacar no Código Civil que a obrigação de prestar alimentos é extensiva a todos os ascendentes, “recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (art.1.696-CC). Estendeu, ainda, aos descendentes, “guardada a ordem da sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos, como unilaterais” (art. 1697-CC). O conceito de “falta” na obrigação de alimentos tem englobado a idéia de morte, ausência, desemprego, enfim, situações diversas que reflitam a necessidade e a impossibilidade de sustento.
A expressão “falta” no “Estatuto” coincidentemente traduz critério de competência material (art.98 do ECA) e territorial (art. 147, II do ECA).
Conforme se verifica, o art. 98 do ECA define as hipóteses de atuação do Juízo da Infância e da Juventude, determinando a competência em razão da matéria. O inciso II do mesmo artigo condiciona sua aplicação à “falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável”. Ao vincular a aplicação das “Medidas específicas de proteção” às hipóteses do art. 98-ECA, há que se interpretar a idéia de “falta” de forma mais ampla, abrangendo também, abandono, negligência, descuido e descaso. E mais: “verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum” (art. 130-ECA).
Fixada a competência material do Juízo da Infância e Juventude, sendo um dos critérios a falta dos pais, passa-se à análise da competência territorial consubstanciada no art.147 do ECA.
Portanto, na impossibilidade de a criança ou adolescente permanecer na companhia dos pais ou responsável e sendo necessário abrigamento, deflagra-se a incidência do art.147 II do ECA, e assim, a competência territorial especial do Juiz do local onde se encontra o abrigo. Se os pais ou responsável não puderam ou não quiseram ter os filhos em sua companhia e não coincidir a jurisdição do abrigo com a dos responsáveis, é soberana a competência territorial do local onde se encontra o abrigo onde houve o acolhimento.
Neste ponto, a competência territorial passa a ser absoluta por força do melhor interesse da criança, conforme anteriormente exposto.
O “Estatuto” estabeleceu diretrizes de funcionamento e responsabilidades dos abrigos. Na forma do parágrafo único do art. 101-ECA, “abrigo é medida provisória e excepcional utilizável como forma de transição para colocação em família substituta, não implicando em privação de liberdade”.
A maioria dos abrigos acolhe crianças por motivo de carência material de suas famílias. Também o abrigamento decorre da ausência da “rede de serviços” a exemplo de creches, pré-escolas, programas sociais que atendam em horário complementar à escola. Situações de violência, maus-tratos, negligência, abuso e exploração sexual conduzem ao acolhimento em entidades por determinação judicial e excepcionalmente por iniciativa Conselho Tutelar (art. 136-I –ECA cumulado com art. 101- VII-ECA).
Reportando à lei civil, a residência da criança ou adolescente, mesmo que temporária, é a instituição de abrigo. Cabe ao Juiz daquela jurisdição, em nome do “melhor interesse da criança e do adolescente” com o apoio de sua equipe técnica e do Conselho Tutelar, acompanhar os procedimentos de reintegração à família, o atendimento especial aos problemas de saúde, a escolaridade e a rotina da criança no abrigo e encaminhamento para adoção.
V – Atribuição do Conselho Tutelar
No tocante à esfera de atuação territorial do Conselho Tutelar, embora a lei indique as mesmas regras da competência do art.147, não se trata de competência e sim, de atribuição, por ser órgão despido de função jurisdicional que atua através de atos administrativos.
Cabe ao Conselho Tutelar, dentre outras funções, a aplicação das medidas protetivas elencadas no art.101, I ao VII, conforme determina o art. 136, I, todos do ECA. A medida de abrigamento (art. 101, VII) tem caráter excepcional e temporário, e deve ser escolhido o local de abrigo mais próximo da residência dos pais, para estimular as medidas de reintegração familiar.
Neste caso, teremos a criança abrigada em local de atuação do Conselho Tutelar, próximo à residência dos pais. Parece perfeito, mas totalmente destoante com a realidade fluminense. Coincidir o local de abrigo com o domicílio dos pais e com o local de atuação do ConselhoTutelar não se torna possível diante do seguintes dados: em pesquisa realizada, existem 124 abrigos no RJ, sendo que 45,96% atendem crianças com menos de 12 anos, 37,09% atendem todas as idades e apenas 21 abrigos atendem apenas adolescentes.
Além disso, na mesma região existem 10 Conselhos Tutelares distribuídos pelas áreas do Centro, Sul, Vila Isabel, Méier, Ramos, Madureira, Jacarepaguá/Barra, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz 19.
Diante destes dados, não há cabimento o entendimento de alguns órgãos de proteção à infância qual seja o de excluir da esfera jurisdicional a aplicação das medidas de proteção, sob pena de eternizar as violações dos direitos das crianças por falta de aparato estatal.
Isto porque o art. 227 da Constituição da República determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Conforme se verifica, a Carta Maior impôs a todos o dever de zelar pelo ser em desenvolvimento, inclusive os Poderes do Estado, seja ele Legislativo, Executivo e também o Judiciário.
Entender como limitação da atuação do Estado a norma do ECA que determina como atribuição do Conselho Tutelar a aplicação de medidas extrajudiciais, atribuindo exclusividade, é retroagir à conquista constitucional que elevou os direitos da criança ao patamar de garantia fundamental.
Neste sentido é o princípio da vedação do retrocesso, como norma de hermenêutica constitucional, que, no dizer de Carmen Lúcia Antunes Rocha, “pelo princípio do não retrocesso, as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser destruídas, anuladas ou combalidas” 20.
Sendo assim, não cabe restringir a competência do Juízo da Infância e Juventude apenas aos procedimentos de natureza judicial. Isto porque a Constituição entregou ao Estado-Juiz a responsabilidade não só de julgar, mas acima de tudo de cuidar desses seres em desenvolvimento. Este entendimento adequa-se ao princípio da absoluta prioridade, ao do melhor interesse e da Doutrina Jurídica da Proteção Integral.
De acordo com a regra do art.138 do ECA, a competência do Conselho Tutelar segue a regra do art. 147 que determina o local do domicílio dos pais , ou, na falta destes, no local onde a criança se encontra. Assim, caso o Conselho Tutelar determine medida de abrigo de criança ou adolescente (perto ou longe do domicílio dos pais), transfere para o dirigente da entidade a guarda para todos os efeitos de direito (parágrafo único do art. 92-ECA). Assim, o guardião passa a ser o responsável legal da criança (art. 33-ECA) e recebe do Juiz da Comarca do abrigo um termo de guarda, podendo se opor aos pais ou responsável.
Caso seja determinado direito de visita dos pais em favor da criança abrigada, por força da reintegração familiar, o responsável pela criança continua sendo o dirigente do abrigo que, em caso da criança não retornar, deve informar imediatamente ao juízo próximo ao abrigo para efetivar a medida de busca e apreensão, no caso de configurar risco à criança.
Todavia, a prática da visitação dos pais à criança abrigada deve ser temporária, como medida de transição, assim como deve ser a medida de abrigo. A falta de condições para criar seus filhos no seio da família, seja material ou moral, não justifica que a criança passe sua infância em abrigo e seus pais com plena liberdade. Cabe ao Ministério Público atuante no local do abrigo fiscalizar a perpetuação das visitas e estabelecer um limite para que a criança possa ser colocada em família substituta, e assim exercer seu direito à convivência familiar e comunitária.
Se houver possibilidade de resgatar o cuidado e o afeto da família de origem e reintegrar a criança ou adolescente, mesmo que em Comarcas distintas, deve haver uma integração entre os órgãos de proteção do local do domicílio dos pais, assim como do local do abrigo através de meios de comunicação, para juntos efetivarem o direito à convivência familiar da criança. Assim, o Conselho Tutelar do local do domicílio dos pais terá atribuição para acompanhar a reintegração familiar, e o Conselho Tutelar do local do abrigo, onde se encontra a criança e seu guardião, terá atribuição para acompanhar o desenvolvimento do procedimento para o desligamento.
VI- Conclusão
Enfoque especial foi estabelecido na “Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança”, ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90 reconhecidamente identificado como norma cogente, não só em razão da ratificação da Convenção, mas como um princípio especial, o qual, a exemplo dos princípios constitucionais que têm aplicação direta às relações interprivadas, deve ser considerado fonte subsidiária na aplicação da norma. Como princípio ou novo paradigma, o “melhor interesse” se apresenta em nosso sistema jurídico com seus indicadores próprios.
Inafastável, portanto, o reconhecimento de que os direitos garantidos na Convenção, ao serem recebidos pelo § 2º do art. 5º- CF, galgaram o status de “direitos fundamentais” em nosso sistema constitucional. Tivemos a oportunidade de enfatizar, inobstante as inúmeras dificuldades, o caráter normativo do princípio do “melhor interesse da criança” oriundo da ratificação da mesma Convenção, indicando-o como regedor de toda a forma de tratamento à criança e ao adolescente. 21
Sem a pretensão de dar uma definição a este princípio, sua implantação não pode se resumir a sugestões ou referência; deve ser a premissa em todas ações concernentes a esta destacada parcela da população. Considerando-os com suas individualidades, também por seus pais ou responsável, devem ser assumidos como pessoas independentes e em peculiar condição de desenvolvimento.
Os questionamentos levantados neste trabalho fazem parte do cotidiano das Varas Regionais de Infância e Juventude do Rio de Janeiro para os quais trazemos algumas ponderações:
1ª) Em caso de criança abrigada na Comarca da Capital do Rio de Janeiro com pais residentes em outra Comarca, qual o foro competente para julgar causa que envolve a criança e o adolescente? A questão visa identificar a competência de foro, em regra relativa. No entanto, por força dos princípios norteadores da proteção infanto-juvenil, há que prevalecer a regra da competência absoluta do local onde se encontra a criança. 22
2ª) Em se tratando de criança abrigada na Comarca da Capital do Rio de Janeiro, sendo que os pais residem na região de abrangência do foro regional, ambos na mesma Comarca. Qual o juízo competente para julgar causa envolvendo a criança? Neste caso, trata-se de competência funcional, absoluta, determinada pelas normas de organização judiciária. A questão abrange dois foros regionais: um do domicílio dos pais e o outro do domicílio da criança abrigada. Sendo assim, deve prevalecer a competência do local onde se encontra a criança por ser este o local que melhor atenderá seus interesses.
3ª) Em caso de processo já instaurado na Comarca da Capital e posterior criação das Varas Regionais da Infância Juventude e Idoso, ocorrerá o fenômeno da perpetuacio jurisdicionis? Conforme o enfrentamento da matéria anteriormente, a questão é controvertida. Isto porque, o Ato Executivo Conjunto nº 05/2003, do TJ/RJ veda a redistribuição de ações anteriormente ajuizadas nos foros regionais. No entanto, tem prevalecido o entendimento de que a competência funcional é absoluta, o que impede o fenômeno da perpetuatio jurisdicionis, sendo o ato mencionado contrário à lei. Em se tratando de questões que envolvam crianças abrigadas, a competência deve acompanhar o local do abrigo onde a criança se encontra23. Neste sentido, vale citar a manifestação da Procuradoria de Justiça de São Paulo citada por Valter Kenji Ishida:
“ [...] Feliz a manifestação da douta Procuradoria de Justiça quando anota que ... ‘é o juízo mais próximo do local em que estiver a criança o competente para determinar a realização de atos judiciais que o caso exija, zelando pelos interesses da criança inclusive, no caso de internação, determinar a desinternação e colocação em lar substituto, se houver essa possibilidade’. Realmente, o que deve prevalecer, na espécie, é o interesse do menor.”
4ª) Entre a competência do local do domicílio do guardião de fato e o guardião de direito, qual o critério para determinar a competência do foro e do juízo? Primeiramente deve se auferir a competência em relação à matéria. Portanto, se o litígio versa sobre guarda de filhos, ou netos, dentro da esfera familiar, a questão será da Vara da Família. Se houver a subsunção às hipóteses do art. 98 do ECA, dentre eles a falta, omissão ou abuso dos pais, a competência será do Juízo da Infância.
Com relação à competência em razão do lugar, que conforme anteriormente dito, se envolver criança abrigada a competência do local do abrigo é absoluta, mesmo nos casos crianças abrigadas que possuem pais vivos com direito-dever de guarda, deve-se entender que a guarda de fato é exercida pelo diretor do abrigo para todos os efeitos de direito conforme determina o art. 92 parágrafo único do ECA . Assim, fica evidenciada a ´falta` do exercício do direito-dever de guarda, e assim a competência será a determinada pelo critério do art.147 II, qual seja, o local onde a criança se encontra 24.
No caso de competência material da Vara de Família sobre guarda de filhos, deve prevalecer o entendimento que prioriza a competência territorial do local da pessoa que há muito tempo está responsabilizando-se pela criança ou adolescente. Trata-se de alargamento da interpretação do termo “responsável”, elevando o guardião de fato a esta categoria. 25
Por fim, é de salutar providência que o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro aplique as normas materiais e processuais do Estatuto da Criança e do Adolescente à luz das regras de hermenêutica constitucionais e especiais que determinam a prioridade absoluta para a garantia dos direitos da criança e do adolescente (art. 227 da CR); que considera a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (art. 6º° da Lei 8.069/90); e que identifica o melhor interesse da criança e do adolescente como norte para a aplicação do direito (Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança” ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90).
Com isso, a proposta do presente trabalho consiste em orientar o aplicador do direito para, no caso de competência material firmada pelo art. 98 do ECA, a competência territorial deve ser determinada pela aplicação do art.147 I e II do ECA de forma conjunta, evitando interpretações divergentes. Assim, o entendimento mais adequado é o que identifica a competência do local onde a criança se encontra, como regra de competência absoluta. 26
NOTAS DE RODAPÉ
1 - Sérgio Ricardo Arruda Fernandes, In Questões Importantes de Processo Civil: Teoria Geral do Processo, - Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 56.
2 - Enunciado n. XXVII da Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro citado por Sérgio Ricardo Arruda Fernandes, ob. cit. p. 56
3 - “2008.002.03620 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento: 13/02/2008 - DECIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL. Agravo de Instrumento. Decisão que determinou a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis da Regional da Barra da Tijuca, tendo em vista se tratar de competência funcional dos foros regionais, e, portanto, absoluta. Manutenção da decisão. Art. 557, caput do CPC.”
4 - “2007.008.00131 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 1ª Ementa DES. JAIR PONTES DE ALMEIDA - Julgamento: 27/11/2007 - QUARTA CÂMARA CÍVEL. Conflito Negativo de Competência - Código de Defesa do Consumidor - Privilégio do Autor - A competência dos foros regionais é absoluta, regida pela regras do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro, não se confundindo com a competência de Juízo, na verdade uno, na Comarca da Capital deste Estado. Conflito procedente.”
5 - Lei 8.069/90. “Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de Organização Judiciária local.”
6 - CR/88. “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
7 - Lei 8.069/90. “Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
8 - Dr. Adalberto José Queiroz Teles de Camargo Aranha Filho, Juiz de Direito, em entrevista pessoal.
9 - “2007.008.00662 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 1ª Ementa DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 14/12/2007 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FÓRUM REGIONAL. “
10 - COMPETÊNCIA ABSOLUTA APÓS SUA CRIAÇÃO OU AMPLIAÇÃO TERRITORIAL. 1- Com a criação e instalação das Varas Regionais não houve qualquer supressão de órgão judiciário, ou alteração de competência em razão da matéria, tampouco pelo critério de hierarquia, eis que não há qualquer subordinação entre a Vara do Fórum Central e a Vara do Fórum Regional, sendo que ambas pertencem ao Foro da cidade de Petrópolis. 2- Assim, os atos administrativos conjuntos, expedidos por este Tribunal, impedindo a redistribuição de feitos às Varas Regionais, não trouxeram nenhuma exceção ao art. 87 do CPC, além das ali já existentes, pois a lei que criou as Varas Regionais Cíveis de Itaipava manteve a mesma competência para a apreciação de matérias cíveis que a Vara do Fórum Central de Petrópolis. 3- É evidente que qualquer ato administrativo que vede a redistribuição de feitos para as Varas Regionais que tenham competência em razão da matéria ou em razão de hierarquia será ilegal, tendo em vista a redação do art. 87, in fine, do CPC, hipótese, porém, que não é a dos autos. 4- Quando da distribuição da ação de busca e apreensão, em 2001, o juízo da 2ª Vara Cível de Petrópolis era originariamente o competente para julgar o pedido, simplesmente porque até então não havia a criação da Vara Regional de Itaipava, nem, muito menos, sua instalação. 5- Por óbvio que, com a instalação, em 2003, da 1ª Vara Cível Regional de Itaipava, não pode o juízo da Vara de Petrópolis declinar de sua competência de ofício, de ação distribuída em 2001, com o fito de diminuir seu acervo, ao simples argumento de que a competência das Varas regionais é absoluta. Absoluta é, mas apenas para as ações interpostas após sua instalação ou ampliação de sua competência. 6- Ademais, o Ato Executivo Conjunto nº 05/2003, deste Tribunal, foi expresso na vedação de redistribuição de ações anteriormente ajuizadas, estando em consonância com o art. 87, do CPC. 7- Competência do Juízo suscitado.
10 - “2007.008.00631 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 1ª Ementa DES. CARLOS EDUARDO PASSOS - Julgamento: 29/11/2007 - SEGUNDA CÂMARA CÍVEL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL E VARA REGIONAL. Ação proposta antes da criação desta última. Declinação de competência pelo Juiz do Foro Central. Hipótese de competência absoluta, em que não prevalece o princípio da perpetuatio jurisdictionis, já que a lei que criou a Vara Regional não o ressalvou, pelo que prevalece a exceção prevista no art. 87, in fine, do diploma processual. Ato Executivo que veda a redistribuição dos feitos pendentes, em desacordo com o principio da legalidade e que, portanto, não tem validade. Competência da Vara Regional. Conflito conhecido, declarado competente o suscitante.”
11 - “2007.002.34445 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento: 04/12/2007 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANUTENÇÃO DE POSSE. DEFERIMENTO DA LIMINAR. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA VARA REGIONAL. IMÓVEL SITUADO NO RECREIO DOS BANDEIRANTES (24ª R.A.). INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DA 18ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL (FORO CENTRAL). COMPETÊNCIA ABSOLUTA DE VARA REGIONAL DA BARRA DA TIJUCA. NULIDADE DA DECISÃO AGRAVADA (ART. 113 E § 2º, CPC). PRECEDENTES DO TJ/RJ. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO AGRAVADA, REMETENDO-SE OS AUTOS A UMA DAS VARAS CÍVEIS REGIONAIS DA BARRA DA TIJUCA. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, COM BASE NO ART. 557, §1º-A, CPC.”
12 - CODJERJ - “Art. 102 - Ao Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, compete exercer, exclusivamente, e até que se instalem as Varas Regionais de igual competência,
as atribuições definidas no art. 92, com exceção da apuração da prática de ato infracional cometido por adolescente, cujo processo de apuração, aplicação e acompanhamento das medidas socioeducativas, compete à Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, também competente para a fiscalização e orientação das instituições que desenvolvam programas socioeducativos relacionados a adolescentes infratores.”
13 - “Iniciado o processo, as modificações posteriores do estado de fato ou de direito não alteram a competência (art. 87 do CPC). No entanto, pode ser conveniente que se atribua competência ao juízo imediato, que é aquele mais próximo de onde se encontra a criança ou adolescente. Assim, naqueles casos em que o infante precisa de proteção é possível que a regra do CPC seja superada em favor da prevalência do interesse de crianças e adolescentes” (ROBERTO BARBOSA ALVES. Direito da infância e da juventude. 2ª. ed. Coleção Curso e Concurso. Ed. Saraiva. São Paulo, 2007, p. 49).
13 - “COMPETÊNCIA. O disposto no ECA 147 II prevalece sobre o CPC 132, em benefício do menor cuja proteção se insere em norma constitucional. Competente é o juiz do local onde se encontra a criança (TJSP, Câm.Esp., CComp 19837-0, Rel. Des. Sabino Neto, v.u., 11.8.1994)” In NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. Editora RT. São Paulo: 2002, p. 934/935.
14 - Caio Mário da Silva Pereira In Instituições de Direito Civil – v. I (Parte Geral) atualizado por Maria Celina Bodin de Morais. Rio de Janeiro: Forense, 2007, n. 63, p. 370.
15 - Caio Mário da Silva Pereira – ob. cit., n. 63, p. 374.
16 - EMENTA – ECA. “Menores colocados em entidade de abrigo. Responsáveis em local ignorado. Princípio do juízo imediato, a sobrepor-se a perpetuatio jurisdictionis. Inteligência do art. 147, II do ECA. Necessidade, ademais, de acompanhamento para restabelecimento do ambiente familiar ou colocação em lar substituto. Agravo conhecido como apelo. Decisão cominativa. Provimento em parte. Decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, ao conhecer do Agravo de Instrumento como Apelação, dando lhe provimento parcial. Agravo de Instrumento nº 24.151 0/4, da Comarca de Atibaia em que é agravante Promotor de Justiça da Vara e da Juventude da Comarca de Atibaia, sendo agravado o Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Atibaia e interessados o menor D.R.F.D.S. e outros, julgado 9 novembro de 1995, tendo como Relator Des. NEY ALMADA.”
17 - Ressaltou o Relator que, em decisão recente (CC 72.871-MS, DJ 1º/8/2007), a Segunda Seção deste Superior Tribunal entendeu que a regra de competência insculpida no art. 147, I, do ECA, que visa proteger o interesse da criança, é absoluta, ou seja, deve ser declarada de ofício, sendo inadmissível sua prorrogação. Precedentes citados: CC 53.517-DF, DJ 22/3/2006; CC 62.027-PR, DJ 9/10/2006; CC 54.084-PR, DJ 6/11/2006, e CC 43.322-MG, DJ 9/5/2005. CC- 78806 (2007/0001611-7-05/03/2008 julgado em 27 de fevereiro de 2008).
18 - Antônio Fernando do Amaral e Silva In Estatuto da Criança e do Adolescente comentado (coord. Munir Cury). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 490.
19 - Levantamento sobre abrigos no RJ – PUC/Rio. Certificação Digital 0310187/CA.
20 - In www.tj.rj.gov.br/assessoria_imprensa/noticia_tj /2005/07.
21 - Carmen Lúcia Antunes Rocha - “O princípio da dignidade da pessoa humana”, in Revista Interesse Público n.°4; sobre o tema: Ingo Wolfgang Scarlet , em “Proibição do Retrocesso, Dignidade Humana e direitos sociais: manifestação de um constitucionalismo dirigente possível” – Artigo da Internet www.tex.pro.br.
22 - Tânia da Silva Pereira e Carolina de Campos Melo. “Infância e Juventude: os direitos fundamentais e os princípios constitucionais consolidados na Constituição de 1988”. In Revista Trimestral de Direito Civil n.3. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p.109.
24 - Neste sentido Valter Kenji Ishida. In Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência.São Paulo: Atlas, 2006, p. 224/225: “Portanto, quanto à competência territorial do juízo menorista sobre as entidades do art. 90, segue-se a regra do domicílio da pessoa jurídica. Imagine, por exemplo, uma entidade localizada na Comarca de Santo André, com crianças cujos pais residem na Comarca de São Bernardo do Campo. Seguindo-se o regramento do art. 147, I, ter-se-ia a competência do juízo de São Bernardo do Campo. Ocorre, porém, mais adequado, fixar-se a competência pelo local onde se situa a entidade abrigadora, sendo, portanto, competente o Juízo de Santo André. Aliás, normalmente, as VIJ possuem procedimentos administrativos das entidades que se localizam em área de sua competência, mesmo à míngua de norma expressa do ECA.”
25 - “Em sede de processo de menores, não se aplica rigorosamente o princípio da perpetuatio jurisdicionis: prevalece, para o prosseguimento da ação de destituição de pátrio poder, em que a guarda foi provisoriamente deferida à família substituta, aquele que estiver mais próximo dele, para poder oferecer-lhe proteção jurisdicional mais pronta, mais rápida e mais eficaz e permanente”.(Conflito de Competência nº 17.680-0/1– São Paulo – MMª Juíza de Direito da 2ª Vara Judicial da Comarca de Mairiporã – MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Santana.)
26 - “Agravo de Instrumento – Competência – Menor entregue pela genitora para adoção – Competência do local onde se encontra a criança – Com a sua entrega para adoção, concordando a genitora com a destituição do pátrio poder, deixa de ser responsável pelo menor e faz incidir a regra do art. 147, inciso II, do ECA – O domicilio dos pais ou responsável, tal como previsto no inciso I do citado dispositivo somente firma a competência quando a criança permanece sob sua guarda – Recurso provido.” (TJSP – C.Esp. – Al.71.062-0/7 – Comarca de Orlândia – Rel. Des. Fonseca Tavares – j.17-8-200.)
27 - Valter Kenji Ishida. In Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2006, p. 229.
28 - Neste sentido é a opinião de José Luiz Mônaco da Silva apud Valter Kenji Ishida, ob. cit. p. 231. “Como tivemos a oportunidade de discorrer nos parágrafos anteriores, o legislador melhor se conduziria se tivesse fundido os dois incisos, disciplinando de maneira mais prática essa matéria, longe dos inconvenientes de uma dúbia interpretação, asseverando simplesmente que a competência seria sempre determinada pelo lugar onde se encontrasse a criança ou o adolescente”. Pactua deste entendimento o autor Valter Kenji Ishida para quem: “essa posição do autor, a nosso ver, seria mais técnica e afinada com a realidade social, elidindo qualquer dúvida no que se relaciona à competência”.
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