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História do Santos - Santo Inácio de Antioquia

O céu, um lugar também imaterial?
Transcrição: Arautos do Evangelho, nº70 Outubro de 2007, págs. 24-25 - www.arautos.org.br


O conceito de Céu Empíreo enquanto sendo um lugar real é uma idéia justa, tradicional e que se impõe ao nosso espírito.


Gostaria de saber o que pensa Ami du Clergé a respeito da opinião reproduzida pelo Dictionnaire de Théologie Catholique,
de que o Céu, morada dos Anjos e dos Eleitos, é um lugar material. Santo Agostinho parece estar mais perto da verdade ao dizer que Deus é o “lugar de nossas almas”.

Falso antagonismo entre duas concepções
Trata-se de uma questão sutil e difícil, para não dizer impossível, de responder. Assim, não tentaremos propor uma solução completa, mas apenas definir com precisão os aspectos sob os quais este problema, segundo a tradição eclesiástica, recebeu
um início de solução com a qual, por falta de dados posteriores, a sabedoria nos convida a contentar-nos. Nosso consulente opõe a opinião do Céu como lugar material à concepção agostiniana que vê Deus como a residência dos espíritos.

Como demonstraremos a seguir, essa oposição não tem razão de ser. Reflitamos a esse respeito tão-somente com a luz da razão: se a hipótese de Deus enquanto morada dos espíritos é, em si, admissível quando consideramos somente as almas antes da ressurreição final dos corpos, ela se torna incompleta, insuficiente, se não positivamente falsa, quando nos perguntamos onde ficarão os corpos gloriosos após a ressurreição e, desde já, onde estão a humanidade santa de Nosso Senhor e o corpo glorioso da Bem-Aventurada Virgem Maria, sua Mãe.

O bem-aventurado continuará na eternidade com seu corpo, embora glorificado Embora glorificados, os corpos dos bem-aventurados continuam corpos, e sua sutilidade não impede que tenham uma presença física e, por conseguinte, seja necessário situálos num lugar real. Esta é a consideração geral, à qual gostaríamos de acrescentar algumas precisões e desdobramentos. 1º. Deus, morada dos espíritos

O pensamento de Santo Agostinho a respeito deste ponto não é tão firme quanto parece. Se relermos o artigo “Céu” do citado Dictionnaire de Théologie Catholique, encontraremos um eco das hesitações do grande Doutor no concernente ao momento e ao local da retribuição completa. Ele hesita sobre a distinção a fazer, ou a identidade a estabelecer, entre o Paraíso, morada dos eleitos antes da última vinda de Cristo, e o Céu, morada dos eleitos ressuscitados. Por vezes, ele parece identificálos e se pergunta se essas diversas denominações não exprimem uma só e mesma realidade, isto é, a morada comum de todos os bem-aventurados. E é então que ele declara que essa morada das almas bem-aventuradas se parece com um lugar material: “loca similla corporalibus”. Se Santo Agostinho aceita essas hipóteses, não podemos pensar em opor à idéia de um Céu, lugar material, a asserção que se lê nos dizeres do santo Doutor no concernente a Deus, residência das almas: “Gostaríeis de saber diz ele onde se encontra essa plácida morada na qual se vê Deus face-a-face? Ora, que o próprio Deus seja o lugar de nossas almas, após esta vida!”

Este desejo de Santo Agostinho às suas ovelhas exprime perfeitamente a única solução prática que comporta, para os simples
fiéis, o problema do lugar do Céu. É como se o santo Doutor tivesse querido dizer: “Não me peçam para aprofundar esta questão, toda ela especulativa, da morada dos bem-aventurados. Uma só coisa importa: após a nossa morte, nossa alma se encontra junto de Deus”.

Podemos verificar de imediato o alcance desta assertiva, inteiramente moral, e que deixa de lado o aspecto metafísico do problema da residência dos eleitos. Posição fundamental dos Padres da Igreja 2º. O Céu, residência ou lugar dos eleitos.

Esta segunda asserção representa, com efeito, o pensamento fundamental dos Padres e dos Doutores da Igreja. Ela deve ser entendida no seu significado tradicional, um significado muito genérico e desembaraçado de qualquer especulação metafísica, se quisermos separar o campo da doutrina comumente admitida da qual não é possível afastar-se sem temeridade do campo da hipótese e da especulação puramente escolástica. Quaisquer que tenham sido os erros ou as hesitações dos Padres da Igreja nos três primeiros séculos, relativamente à admissão imediata das almas dos justos no Céu, sua doutrina a respeito do Céu enquanto morada ou lugar dos eleitos não deixava de ser firme e constante. O autor do artigo do Dictionnaire
de Théologie Catholique visa contestar peremptoriamente certas assertivas lançadas sem fundamento contra essa doutrina tradicional. Com efeito, para os Padres antenicenos o Céu é a morada das almas dos leitos; o lugar da recompensa incorruptível; a estância do repouso eterno em Deus. Trata-se de um mundo que transcende a terra, uma região superior e etérea. Diz o Dictionnaire de Théologie Catholique que “a doutrina católica sobre o Céu foi fixada imutavelmente em suas
linhas principais pelos Padres antenicenos: todos são unânimes em afirmar a existência de uma vida ultraterrestre comum a todos os bem-aventurados, num lugar próprio, que é o Céu”.

É sobre essa idéia fundamental e imutável que se acrescentarão mais tarde as hipóteses, as questões subsidiárias e às vezes sutis. Mas, enquanto a idéia fundamental possui um valor doutrinário real e absoluto, as hipóteses e as especulações escolásticas não se imporão.

Céu Empíreo e lugar material
A principal dessas especulações é a relativa à concepção do Céu Empíreo, que se encontra em germe em São Basílio e à qual São Beda e posteriormente Pedro Lombardo deram a consistência de uma verdadeira doutrina em termos de escola.
Uma vez engajados nessa via, os teólogos procuraram determinar a natureza do Céu Empíreo e suas propriedades físicas; questões sutis, por vezes ociosas, às quais não pode ser dada nenhuma solução séria.

Importa notar que, desembaraçada das sutilezas e das hipóteses inerentes à doutrina do Céu Empíreo, a idéia geral e ainda imprecisa de um lugar real (entendamos assim, num sentido talvez analógico, como convém para as coisas do além, o termo “corporal” utilizado por certos autores) é uma idéia justa, tradicional e que se impõe à adesão de nosso espírito como uma doutrina da qual não é possível afastar-se sem temeridade.

(Traduzido, com adaptações, de L’Ami du Clergé, 1922, pp. 667-668.)


 

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